26/08/2004

Friedrich Nietzsche

" Has venido hacia mi antes que el sol: hacia mi que soy el mas solitario. Somos amigos de siempre: nos son comunes nuestra tristeza, y el fondo de nuestro ser: el sol mismo nos es común. Como sabemos demasiadas cosas no nos hablamos; callamos y nos comunicamos nuestro saber por medio de sonrisas. "
extracto de Antes de da saida do sol, de Assim falava Zaratustra

25/08/2004

Cartas de amor e promessas politicas eleitorais

A maioria das cartas de amor são como promessas eleitorais, às vezes cumprem-se...

Oito da manhã e acordo sem razão alguma. Era a luz que entrava pela janela que iluminava o corpo dela. Está calor e a Maria está completamente nua deixando o seu corpo ganhar cor perante os raios de sol que teimam em entrar tão cedo pelos buracos dos estores. Ainda não refeito da noite anterior, tive momentaneamente a vontade de a agarrar, puxá-la para mim e enroscar-me novamente no seu corpo nu que se distingue nos lençóis brancos. Depois da cena que fez no Bar, e de passar uma hora trancada no carro a ouvir-me explicar-lhe o inexplicável, rendeu-se ao carinho e à evidência de lhe pedir um beijo. São poucas as mulheres que o recusam, e quase sempre recordam-se das extensas cartas de amor onde entre uma noite de sexo são deixados compromissos de que amanhã tudo será melhor. E assim foi…
Embora tenha-me mantido inerte, a Maria acordou pouco depois decidida a querer acabar a conversa de ontem. Nada mais há a falar, ela sabe que temos muito em comum, mas as diferenças que nos separam são bem mais fortes do que aquilo que nos une. Enquanto se preparava para entrar pela última vez no banho, perguntou-me se não lhe fazia companhia… Ambos sabíamos que era a última hipótese, e nada fizemos para alterar. Assim que saiu, e levou consigo os dois cd’s de shivaree e uma escova de cabelo que fazia questão em manter guardada na gaveta do armário da casa de banho, senti um vazio em mim e só me recordei do beijo proibido que troquei com a Luisa. De tão inocente causou furor no coração de todos.
Enquanto a Maria discutia comigo, e a Luisa se punha a léguas evitando um escândalo, recebi apoio de uma amiga que já não via algum tempo e que tentava acalmar os ânimos. Embora a Maria se tenha posto no meio, não dando hipótese a uma conversa mais extensa, recordei a paixão que guardo há quase um ano desde o dia em que a conheci. A Ana é uma figura frequente nos meus sonhos e algumas masturbações, e incrivelmente consegue conjugar o “sexy� com o “agradável�.
Sonho em acordar ao seu lado, de olhar para o seu rosto cansado e beijar os seus lábios docemente esculpidos, acariciar os seus cabelos escuros esticados e um exagerado rol de hábitos rotineiros que, de tão banais, me parecem tão desejados e especiais. De tão pouco que sabemos um do outro, parece que a conheço como ninguém e enquanto anulo uma paixão pela Luisa, não há forma de ganhar coragem para me declarar à Ana...
Na última semana tenho revisto a sua imagem vezes sem conta de uma fotografia que guardo de um dia de praia, um exercício mental que não consigo evitar. Sinto que fomos feitos um para o outro sem sabermos, e de repente dou por mim enamorado por alguém que mal conheço. Trocámos várias conversas banais, entre e-mails que mais pareciam declarações de amor, e uma vez excedeu um pouco mais… mas sem chegar nunca a uma declaração final. Sinto que se aproxima o dia D, o momento em que terei de mostrar que há algo mais de curiosidade que gostaria de explorar. E embora corra o risco de receber um “não�, penso que o meu "savoir-faire" poderá ser meio caminho andado para provar que há algo de incontrolável e verdadeiro que rapidamente se poderá transformar numa relação interessante e madura.
São tantas as coisas que temos em comum que por vezes sinto que a minha pseudo-relação com a Maria não passa de uns beijinhos trocados em ambiente de festa, inofensivos e irracionais. Mas ela faz-me questão de me lembrar as mensagens queridas que lhe mandei, reenviando-as para o meu telemóvel. Quando as leio nem as identifico como palavras minhas, considero mais promessas eleitorais que não fui capaz de cumprir. Tento agora ouvir o coração, ainda que sem aquela força de príncipe, mas com a certeza que não irei passar o resto do Verão em viagens constantes entre Lisboa e Porto. Que mais cedo ou mais tarde será inevitável descobrirmos mais diferenças que nos separam além dos 320 quilómetros.
Por mais que me custe ver a Maria sofrer e dizer a todo o mundo (e com razão…) que sou um sacana, vou tentar ultrapassar isso não deixando que interfira na boa relação que mantenho com o cunhado. O problema é que o Francisco conhece a Ana, e será difícil esconder por mais algum tempo esta loucura em que me vou metendo...

Despir uma mulher.

A pedido de uns amigos aqui vão umas sugestões...
"Quem acha que o despir a que nos referimos, se resume simplesmente ao acto de tirar as roupas, cá entre nós, está muito enganado... até porque isso qualquer um faz.
Por esse motivo é que chamamos aqui de "arte", o acto de despir uma mulher. E como arte, envolve todo um processo de sabedoria. Sabedoria em se deixar aquela peça estratégica, que no final vai fazer a diferença, saber diferenciar as peças uma das outras, e até mesmo sabedoria para nunca cometer o deselegante acto de "fiasco total" ao aparecer só de meia na frente de qualquer outra pessoa que não seja sua mãe. Aqui citamos algumas maneiras altamente eróticas de como despir uma mulher com arte:
Com os olhos
É muito importante que esta técnica seja utilizada com limites, sem forçar a barra. É uma técnica muito boa, e que pode ser aplicada com muita sensualidade, em qualquer ocasião, com qualquer mulher, e em todos os lugares.
Com as palavras
Que esta técnica seja usada com cautela, procurando sempre evitar frases grosseiras e bregas. Lembrando também que aquelas que sairem em forma de promessas, deverão ser cumpridas, como por exemplo "Vou fazer você delirar, vou fazer você suar ..."
Com a sabedoria
Demonstrar que você admira muito a inteligência dela, e que nunca passaria pela sua cabeça desprezar tal virtude, com frases do tipo: "Você tem as pernas mais lindas desta boate" é melhor do que "as pernas mais lindas do mundo." Afinal, mentira tem perna curta.
Com uma ordem
Olho no olho. Olhar de segurança arrasadora, fixo no dela e detone a frase "Tire a roupa". Já foi comprovado que funciona bem na maioria das vezes, ou melhor, muitas vezes.
Com uma massagem
Quem resiste a uma boa dose de massagem? Isso mesmo. Toda a sua boa vontade, aliada a algumas noções básicas de shiatsu e proponha uma massagem relaxante. Difícil ela dizer não. Mas se a resposta vier com um"fica pra outro dia", é melhor você cair fora.
Com um acidente
Antes de utilizar esta táctica, pense nos prós e contras que ela poderá lhe poporcionar, já que além de soluções , ela também poderá lhe trazer problemas. Vai que você causa um acidente na blusa da mulher com vinho, e depois acaba não conseguindo ajudá-la."

14/08/2004

Um teste

Vamos nessa?!
Faça este teste você mesmo... Não bisbilhote o valor dos pontos. Vá respondendo à medida que for descendo a tela.
As respostas valerão para aquilo que você pensa agora... não pelo que você foi no passado!
Pegue lápis ou caneta e uma folha de papel. Este teste é verdadeiramente utilizado pelo Dep. de Recursos Humanos de uma grande empresa americana.

1) Quando você se sente melhor?

a) pela manhã; b) pela tarde e ao entardecer; c) tarde da noite.

2) Você caminha usualmente:

a) razoavelmente rápido, com passos largos; b) razoavelmente rápido, com passos rápidos e curtos; c) menos rápido, cabeça erguida, olhando o mundo de frente; d) menos rápido, cabeça baixa; e) muito devaga.r

3) Quando fala com as pessoas você usualmente:

a) fica de braços cruzados; b) fica com as mãos apertadas; c) com uma ou ambas as mãos nos quadris; d) toca ou empurra a pessoa com quem está falando; e) brinca com a orelha, toca o queixo ou alisa o cabelo.

4) Quando relaxando, você se senta:

a) com os joelhos dobrados e as pernas bem juntas; b) com as pernas cruzadas; c) com as pernas estiradas ou retas; d) com uma perna dobrada embaixo de você.

5) Quando algo o diverte de verdade, você reage com:

a) uma risada alta e satisfeita; b) uma risada, mas não muito alta; c) com um riso abafado; d) com um sorriso encabulado.

6) Quando você vai a uma festa ou encontro social você:

a) faz uma entrada ruidosa para que todo mundo perceba; b) faz uma entrada silenciosa, procurando por um conhecido; c) faz a entrada o mais silenciosa possível, tentando não ser percebido.

7) Você está trabalhando muito, muito concentrado, e é interrompido, você:

a) aceita bem a interrupção; b) sente-se extremamente irritado; c) varia entre estes extremos.

8) Qual destas cores você gosta mais?

a) vermelho ou laranja; b) preto; c) amarelo ou azul claro; d) verde; e) azul escuro ou roxo; f) branco; g) marrom ou cinza.

9) Quando você está na cama, à noite, naqueles minutos finais antes de dormir, você:

a) fica espichado de costas; b) fica espichado de barriga para baixo; c) fica de lado e ligeiramente curvado; d) com a cabeça em cima do braço; e) com a cabeça sob os lençois.

10) Você frequentemente sonha que está:

a) caindo; b) brigando ou discutindo; c) procurando alguém ou alguma coisa; d) voando ou flutuando; e) você tem um sono sem sonhos; f) seus sonhos são geralmente agradáveis.



Veja abaixo sua pontuação:

Pontuação:

1) a-2; b-4; c-6

2) a-6; b-4; c-7; d-2; e-1

3) a-4; b-2; c-5; d-7; e-6

4) a-4; b-6; c-2; d-1

5) a-6; b-4; c-3; d-5; e-2

6) a-6; b-4; c-2

7) a-6; b-4; c-2

8) a-6; b-7; c-5; d-4; e-3; f-2; g-1

9) a-7; b-6; c-4; d-2; e-1

10) a-4; b-2; c-3; d-5; e-6; f-1

Agora some seus pontos e confira o resultado abaixo. Boa análise...



Interpretação:

Acima de 60 pontos: Os outros o vêem como alguém que eles precisam ter cuidado no convívio. Você é visto como vaidoso, autocentrado, e alguém que é excessivamente dominador. Os outros pode mesmo admirá-lo, querendo até mesmo ser um pouco como você, mas não lhe têm confiança e hesitam envolver-se mais profundamente com você.

De 51 a 60 pontos: Os outros o vêem como alguém excitante, altamente volátil, com uma personalidade impulsiva; um líder natural, que é rápido para tomar decisões, embora nem sempre as decisões acertadas. Eles o enxergam como ousado e aventureiro; alguém que sempre experimentará algo uma vez pelo menos; alguém que corre riscos e aprecia a aventura. Eles apreciam estar em sua companhia pelo excitamento que você irradia.

De 41 a 50 pontos: Os outros o vêem como atrevido, vivaz, charmoso, divertido, prático e sempre interessante; alguém que está constantemente no centro das atenções, mas suficientemente bem equilibrado para não lhe deixar subir à cabeça. Também o vêem como bondoso, atencioso, delicado, compreensivo; alguém que sempre os anima e os ajuda.

De 31 a 40 pontos: Os outros o vêem como sensível, cauteloso, cuidadoso e prático. Eles o enxergam como inteligente, dotado, talentoso, mas modesto...Não uma pessoa que faça amizades rapidamente ou facilmente, mas alguém que é extremamente leal aos amigos que faz e de quem espera a mesma lealdade de volta. Aqueles que realmente o conhecem compreendem que é dificil abalar a sua lealdade para os amigos, mas também que leva um bom tempo para superar uma lealdade abalada.

De 21 a 30 pontos: Os outros o vêem como meticuloso e exigente. Eles o enxergam como cauteloso, extremamente cuidadoso e um trabalhador vagaroso e perseverante. Eles ficariam surpresos se você fizesse alguma coisa impulsiva ou de momento, esperando que você examine tudo cuidadosamente de todos os ângulos e usualmente vote contra. Eles pensam que esta reação é causada em parte pela sua natureza.

Menos de 21 pontos: As pessoas o vêem como tímido, nervoso, indeciso, alguém de quem precisam tomar conta, alguém que está sempre esperando que os outros tomem as decisões e que não quer se envolver com pessoas ou coisas. Eles o enxergam como um preocupado que sempre enxerga problemas onde não existem. Algumas pessoas o acham um chato. Somente quem o conhece bem acha que você não é.

Jean Carlo Alanis - FEA.DEA.UNICAMP.BRASIL -

05/08/2004

Cântico negro

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?


Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.


Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...


Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.


Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!


José Régio, pseudônimo literário de José Maria dos Reis Pereira, nasceu em Vila do Conde em 1901. Licenciado em Letras em Coimbra, ensinou durante mais de 30 anos no Liceu de Portalegre. Foi um dos fundadores da revista "Presença", e o seu principal animador. Romancista, dramaturgo, ensaísta e crítico, foi, no entanto, como poeta. que primeiramente se impôs e a mais larga audiência depois atingiu. Com o livro de estréia — "Poemas de Deus e do Diabo" (1925) — apresentou quase todo o elenco dos temas que viria a desenvolver nas obras posteriores : os conflitos entre Deus e o Homem, o espírito e a carne, o indivíduo e a sociedade, a consciência da frustração de todo o amor humano, o orgulhoso recurso à solidão, a problemática da sinceridade e do logro perante os outros e perante a si mesmos.

Grande Edgar

Já deve ter acontecido com você.

— Não está se lembrando de mim?

Você não está se lembrando dele. Procura, freneticamente, em todas as fichas armazenadas na memória o rosto dele e o nome correspondente, e não encontra. E não há tempo para procurar no arquivo desativado. Ele esta ali, na sua frente, sorrindo, os olhos iluminados, antecipando sua resposta. Lembra ou não lembra?

Neste ponto, você tem uma escolha. Há três caminhos a seguir.

Um, curto, grosso e sincero.

— Não.

Você não está se lembrando dele e não tem por que esconder isso. O "Não" seco pode até insinuar uma reprimenda à pergunta. Não se faz uma pergunta assim, potencialmente embaraçosa, a ninguém, meu caro. Pelo menos entre pessoas educadas. Você deveria ter vergonha. Passe bem. Não me lembro de você e mesmo que lembrasse não diria. Passe bem. Outro caminho, menos honesto mas igualmente razoável, é o da dissimulação.

— Não me diga. Você é o... o...

"Não me diga", no caso, quer dizer "Me diga, me diga". Você conta com a piedade dele e sabe que cedo ou tarde ele se identificará, para acabar com sua agonia. Ou você pode dizer algo como:

— Desculpe, deve ser a velhice, mas...

Este também é um apelo à piedade. Significa "não tortura um pobre desmemoriado, diga logo quem você é!". É uma maneira simpática de você dizer que não tem a menor idéia de quem ele é, mas que isso não se deve a insignificância dele e sim a uma deficiência de neurônios sua.

E há um terceiro caminho. O menos racional e recomendável. O que leva à tragédia e à ruína. E o que, naturalmente, você escolhe.

— Claro que estou me lembrando de você!

Você não quer magoá-lo, é isso! Há provas estatísticas de que o desejo de não magoar os outros está na origem da maioria dos desastres sociais, mas você não quer que ele pense que passou pela sua vida sem deixar um vestígio sequer. E, mesmo, depois de dizer a frase não há como recuar. Você pulou no abismo. Seja o que Deus quiser. Você ainda arremata:

— Há quanto tempo!

Agora tudo dependerá da reação dele. Se for um calhorda, ele o desafiará.

— Então me diga quem sou.

Neste caso você não tem outra saída senão simular um ataque cardíaco e esperar, e falsamente desacordado, que a ambulância venha salvá-lo. Mas ele pode ser misericordioso e dizer apenas:

— Pois é.

Ou:

— Bota tempo nisso.

Você ganhou tempo para pesquisar melhor a memória. Quem será esse cara meu Deus? Enquanto resgata caixotes com fichas antigas no meio da poeira e das teias de aranha do fundo do cérebro, o mantém à distância com frases neutras como jabs verbais.

— Como cê tem passado?

— Bem, bem.

— Parece mentira.

— Puxa.

(Um colega da escola. Do serviço militar. Será um parente? Quem é esse cara, meu Deus?)

Ele esta falando:

—Pensei que você não fosse me reconhecer...

—O que é isso?!

—Não, porque a gente às vezes se decepciona com as pessoas.

—E eu ia esquecer de você? Logo você?

—As pessoas mudam. Sei lá.

— Que idéia. (é o Ademar! Não, o Ademar já morreu. Você foi ao enterro dele. O... o... como era o nome dele? Tinha uma perna mecânica. Rezende! Mas como saber se ele tem uma perna mecânica? Você pode chutá-lo amigavelmente. E se chutar a perna boa? Chuta as duas. "Que bom encontrar você!" e paf, chuta uma perna. "Que saudade!" e paf, chuta a outra. Quem é esse cara?)

— É incrível como a gente perde contato.

— É mesmo.

Uma tentativa. É um lance arriscado, mas nesses momentos deve-se ser audacioso.

— Cê tem visto alguém da velha turma?

— Só o Pontes.

— Velho Pontes! (Pontes. Você conhece algum Pontes? Pelo menos agora tem um nome com o qual trabalhar. Uma segunda ficha para localizar no sótão. Pontes, Pontes...)

— Lembra do Croarê?

— Claro!

— Esse eu também encontro, às vezes, no tiro ao alvo.

— Velho Croarê. (Croarê. Tiro ao alvo. Você não conhece nenhum Croarê e nunca fez tiro ao alvo. É inútil. As pistas não estão ajudando. Você decide esquecer toda cautela e partir para um lance decisivo. Um lance de desespero. O último, antes de apelar para o enfarte.)

— Rezende...

— Quem?

Não é ele. Pelo menos isto esta esclarecido.

— Não tinha um Rezende na turma?

— Não me lembro.

— Devo esta confundindo.

Silêncio. Você sente que esta prestes a ser desmascarado.

Ele fala:

— Sabe que a Ritinha casou?

— Não!

— Casou.

— Com quem?

— Acho que você não conheceu. O Bituca. (Você abandonou todos os escrúpulos. Ao diabo com a cautela. Já que o vexame é inevitável, que ele seja total, arrasador . Você esta tomado por uma espécie de euforia terminal. De delírio do abismo. Como que não conhece o Bituca?)

— Claro que conheci! Velho Bituca...

— Pois casaram.

É a sua chance. É a saída. Você passou ao ataque.

— E não avisou nada?

— Bem...

— Não. Espera um pouquinho. Todas essas acontecendo, a Ritinha casando com o Bituca, O Croarê dando tiro, e ninguém me avisa nada?

— É que a gente perdeu contato e...

— Mas meu nome tá na lista meu querido. Era só dar um telefonema. Mandar um convite.

— É...

— E você acha que eu ainda não vou reconhecer você. Vocês é que se esqueceram de mim.

— Desculpe, Edgar. É que...

— Não desculpo não. Você tem razão. As pessoas mudam. ( Edgar. Ele chamou você de Edgar. Você não se chama Edgar. Ele confundiu você com outro. Ele também não tem a mínima idéia de quem você é. O melhor é acabar logo com isso. Aproveitar que ele esta na defensiva. Olhar o relógio e fazer cara de "Já?!".)

— Tenho que ir. Olha, foi bom ver você, viu?

— Certo, Edgar. E desculpe, hein?

— O que é isso? Precisamos nos ver mais seguido.

— Isso.

— Reunir a velha turma.

— Certo.

— E olha, quando falar com a Ritinha e o Manuca...

— Bituca.

— E o Bituca, diz que eu mandei um beijo. Tchau, hein?

— Tchau, Edgar!

Ao se afastar, você ainda ouve, satisfeito, ele dizer "Grande Edgar". Mas jura que é a última vez que fará isso. Na próxima vez que alguém lhe perguntar "Você está me reconhecendo?" não dirá nem não. Sairá correndo.

de LFV