31/12/2007

O Engenheiro

João Cabral de Melo Neto
A Antônio B. Baltar
A luz, o sol, o ar livre
envolvem o sonho do engenheiro.
O engenheiro sonha coisas claras:
superfícies, tênis, um copo de água.
O lápis, o esquadro, o papel;
o desenho, o projeto, o número:
o engenheiro pensa o mundo justo,
mundo que nenhum véu encobre.
(Em certas tardes nós subíamos
ao edifício. A cidade diária,
como um jornal que todos liam,
ganhava um pulmão de cimento e vidro).
A água, o vento, a claridade
de um lado o rio, no alto as nuvens,
situavam na natureza o edifício
crescendo de suas forças simples.

Publicado no livro O engenheiro (1945). In: MELO NETO, João Cabral de. Obra completa: volume único. Org. Marly de Oliveira. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p.69-70. Biblioteca luso-brasileira. Série brasileira)

29/12/2007

Da Opus Dei à maçonaria: a incrível história do BCP

Como sou um adepto, embora condicional, do Miguel Sousa Tavares, exponho aqui a sua cronica desta semana, no Expresso.
"Em países onde o capitalismo, as leis da concorrência e a seriedade do negócio bancário são levados a sério, a inacreditável história do BCP já teria levado a prisões e a um escândalo público de todo o tamanho. Em Portugal, como tudo vai acabar sem responsáveis e sem responsabilidades, convém recordar os principais momentos deste "case study", para que ao menos a falta de vergonha não passe impune.
1 Até ao 25 de Abril, o negócio bancário em Portugal obedecia a regras simples: cada grande família, intimamente ligada ao regime, tinha o seu banco. Os bancos tinham um só dono ou uma só família como dono e sustentavam os demais negócios do respectivo grupo. Com o 25 de Abril e a nacionalização sumária de toda a banca, entrámos num período 'revolucionário' em que "a banca ao serviço do povo" se traduzia, aos olhos do povo, por uns camaradas mal vestidos e mal encarados que nos atendiam aos balcões como se nos estivessem a fazer um grande favor. Jardim Gonçalves veio revolucionar isso, com a criação do BCP e, mais tarde, da Nova Rede, onde as pessoas passaram a ser tratadas como clientes e recebidas por profissionais do ofício. Mas, mais: ele conseguiu criar um banco através de um MBO informal que, na prática, assentava na ideia de valorizar a competência sobre o capital. O BCP reuniu uma série de accionistas fundadores, mas quem de facto mandava eram os administradores - que não tinham capital, mas tinham "know-how". Todos os fundadores aceitaram o contrato proposto pelo "engenheiro" - à excepção de Américo Amorim, que tratou de sair, com grandes lucros, assim que achou que os gestores não respeitavam o estatuto a que se achava com direito (e dinheiro).2 Com essa imagem, aliás merecida, de profissionalismo e competência, o BCP foi crescendo, crescendo, até se tornar o maior banco privado português, apenas atrás do único banco público, a Caixa Geral de Depósitos. E, de cada vez que crescia, era necessário um aumento de capital. E, em cada aumento de capital, era necessário evitar que algum accionista individual ganhasse tanta dimensão que pudesse passar a interferir na gestão do banco. Para tal, o BCP começou a fazer coisas pouco recomendáveis: aos pequenos depositantes, que lhe tinham confiado as suas poupanças para gestão, o BCP tratava de lhes comprar, sem os consultar, acções do próprio banco nos aumentos de capital, deixando-os depois desamparados perante as perdas em bolsa; aos grandes depositantes e amigos dos gestores, abria-lhes créditos de milhões em "off-shores" para comprarem acções do banco, cobrindo-lhes, em caso de necessidade, os prejuízos do investimento. Desta forma exemplar, o banco financiou o seu crescimento com o pêlo do próprio cão - aliás, com o dinheiro dos depositantes - e subtraiu ao Estado uma fortuna em lucros não declarados para impostos. Ano após ano, também o próprio BCP declarava lucros astronómicos, pelos quais pagava menos de impostos do que os porteiros do banco pagavam de IRS em percentagem. E, enquanto isso, aqueles que lhe tinham confiado as suas pequenas ou médias poupanças viam-nas sistematicamente estagnadas ou até diminuídas e, de seis em seis meses, recebiam uma carta-circular do engenheiro a explicar que os mercados estavam muito mal.3 Depois, e seguindo a velha profecia marxista, o BCP quis crescer ainda mais e engolir o BPI. Não conseguiu, mas, no processo, o engenheiro trucidou o sucessor que ele próprio havia escolhido, mostrando que a tímida "renovação" anunciada não passava de uma farsa. E descobriu-se ainda uma outra coisa extraordinária e que se diria impossível: que o BCP e o BPI tinham participações cruzadas, ao ponto de hoje o BPI deter 8% do capital do BCP e, como maior accionista individual, ter-se tornado determinante no processo de escolha da nova administração... do concorrente! Como se fosse a coisa mais natural do mundo, o presidente do BPI dá uma conferência de imprensa a explicar quem deve integrar a nova administração do banco que o quis opar e com o qual é suposto concorrer no mercado, todos os dias... 4 Instalada entretanto a guerra interna, entra em cena o notável comendador Berardo - o homem que mais riqueza acumula e menos produz no país - protegido de Sócrates, que lhe deu um museu do Estado para ele armazenar a sua colecção de arte privada. Mas, verdade se diga, as brasas espalhadas por Berardo tiveram o mérito de revelar segredos ocultos e inconfessáveis daquela casa. E assim ficámos a saber que o filho do engenheiro fora financiado em milhões para um negócio de vão de escada, e perdoado em milhões quando o negócio inevitavelmente foi por água abaixo. E que havia também amigos do engenheiro e da administração, gente que se prestara ao esquema das "off-shores", que igualmente viam os seus créditos malparados serem perdoados e esquecidos por acto de favor pessoal.5 E foi quando, lá do fundo do sono dos justos onde dormia tranquilo, acorda inesperadamente o governador do Banco de Portugal e resolve dizer que já bastava: aquela gente não podia continuar a dirigir o banco, sob pena de acontecer alguma coisa de mais grave - como, por exemplo, a própria falência, a prazo.6 Reúnem-se, então, as seguintes personalidades de eleição: o comendador Berardo, o presidente de uma empresa pública com participação no BCP e ele próprio ex-ministro de um governo PSD e da confiança pessoal de Sócrates, mais, ao que consta, alguém em representação do doutor "honoris causa" Stanley Ho - a quem tantos socialistas tanto devem e vice-versa. E, entre todos, congeminam um "take over" sobre a administração do BCP, com o "agréement" do dr. Fernando Ulrich, do BPI. E olhando para o panorama perturbante a que se tinha chegado, a juntar ao súbito despertar do dr. Vítor Constâncio, acharam todos avisado entregar o BCP ao PS. Para que não restassem dúvidas das suas boas intenções, até concordaram em que a vice-presidência fosse entregue ao sr. Armando Vara (que também usa 'dr.') - esse expoente político e bancário que o país inteiro conhece e respeita.7 E eis como um banco, que era tão independente que fazia tremer os governos, desagua nos braços cândidos de um partido político - e logo o do Governo. E eis como um banco, que era tão cristão, tão "opus dei", tão boas famílias, acaba na esfera dessa curiosa seita do avental, a que chamam maçonaria.8 E, revelada a trama em todo o seu esplendor, que faz o líder da oposição? Pede em troca, para o seu partido, a Caixa Geral de Depósitos, o banco público. Pede e vai receber, porque há 'matérias de regime' que mesmo um governo com maioria absoluta no parlamento não se atreve a pôr em causa. Um governo inteligente, em Portugal, sabe que nunca pode abocanhar o bolo todo. Sob pena de os escândalos começarem a rolar na praça pública, não pode haver durante muito tempo um pequeno exército de desempregados da Grande Família do Bloco Central.Se alguém me tivesse contado esta história, eu não teria acreditado. Mas vemos, ouvimos e lemos. E foi tal e qual."

Fabricante indiano lançará automóvel por 1.700 euros em 2008

O fabricante indiano «Tata» lançará em finais de 2008 aquele que será o automóvel mais barato do mundo e que custará 1.700 euros, informa a revista especializada alemã «Autor, Motor e Desporto»
A empresa pretende apresentar o seu protótipo na feira do automóvel de Nova Deli, que decorrerá de 10 a 17 de Janeiro.
Trata-se de um veículo pequeno, à semelhança do lendário «Carocha» da Volkswagen, de quatro portas, com um motor de 30 PS e com 660 centímetros cúbicos, para o modelo a gasolina, ou de 700 para gasóleo.
Na primeira fase, a «Tata» propõe-se fabricar 250.000 veículos por ano, para passar ao milhão anual posteriormente.
De acordo com esta publicação, o veículo não será exportado para a Europa ocidental, porque não se adaptará aos seus padrões ambientais, sendo objectivo distribuí-lo na América Latina, África, Europa do Leste e Malásia.

Banco de Portugal abre novo processo contra o BCP

Acordaram agora ?
"É a segunda contra-ordenação aberta pelo regulador do sector financeiro. O primeiro tinha a ver com as dívidas de 12,5 milhões de euros não cobradas pelo BCP a um dos filhos de Jardim Gonçalves."

PECADO É PECADO...

Um Lisboeta, trabalhando no duro, suado, fato e gravata, vê um Alentejano deitado numa rede, na maior folga.
O Lisboeta não resiste e diz:
-Você sabia que a preguiça é um dos sete pecados capitais?
E, o Alentejano, sem se mexer, responde:
-Pois, a inveja também!!!

Calendários ao longo da História!

A humanidade desenvolveu diversos calendários, ao longo dos séculos. O objectivo inicial era prever as estações, determinar épocas ideais para plantio e colheitas ou mesmo estabelecer quando deveriam ser comemorados feitos militares ou realizadas actividades religiosas. Alguns desses calendários continuam a ser usados, tais como o Judeu, o Muçulmano e o Chinês.Para medir os ciclos, muitos povos valeram-se da lua, outros do sol. Em ambos os casos defrontaram-se com dificuldades. O Ano Trópico, intervalo de tempo em que a Terra leva para completar o seu trajecto orbital completo em torno do sol, corresponde a 365,242199 dias.Como nos calendários o ano é estabelecido em anos inteiros, surge uma diferença (0,242199 dias se o calendário for de 365 dias), que vai se acumulando ao longo do tempo, transformando-se em erro de dias inteiros ou semanas.Para corrigi-los são incluídos de tempos em tempos, dias extras (29 de fevereiro, em anos bissextos) ou mesmo meses, caso do calendário Judeu.
Estes são os calendáriso conhecidos!
Calendário asteca
Calendário babilônico
Calendário chinês
Calendário egípcio
Calendário grego
Calendário gregoriano
Calendário hindu
Calendário indígena
Calendário judaico
Calendário juliano
Calendário lunar
Calendário maçônico
Calendário maia
Calendário muçulmano
Calendário permanente
Calendário positivista
Calendário revol. francesa
Calendário romano
Calendário solar
Calendário universal

CALENDÁRIO ASTECA

O calendário asteca era basicamente igual ao dos maias. O ano possuí início no solstício de inverno com um ciclo de 18 meses de 20 dias cada e mais um curto período, ou mês diminuto de 5 dias. Com 104 anos comuns tinha-se um grande ciclo no qual intercalavam 25 dias. Laplace, matemático, dizia que o ano-trópico asteca era mais exato do que o de Heparco. Essa exactidão do ciclo de 260 anos sagrados em relação ao exacto movimento do Sol, possuía uma diferença de apenas 0,01136 de dia, ou seja, um pouco mais de um centésimo de dia.
O calendário asteca dava aos dias nomes próprios que correspondiam a números de ordem no decorrer do mês.Os dias corriam de 1 a 20, e os festivais eram comemorados no último dia do mês.A escrita da data informava o ano em curso, o número e o nome do dia, sem mencionar o dia do mês e o próprio mês. Para citar uma ocorrência de longa duração, os astecas informavam apenas o ano em curso.
Nomes no calendário asteca
Dias correspondentesno mês
Cipactili Ehecatl Calli Cuetzpalin Coatl
Miquiztli Mazat Tochtli Atl Itzcuintli
Ozimatili l Mallinalli Acatl Ocelotl Quauhtli
Cozcaquauhtli Ollin Tecpatl Quiauitl Xochitl
4 5 1 2 3
9 1 0 6 7 8
14 15 11 12 13
19 20 16 17 18
Os meses no calendário asteca eram 18, totalizando 360 dias, mais cinco dias suplementares, denominados Nemotemi ou "dias vazios"

p://puccamp.aleph.com.br/1999/calendario/asteca.html

ALHO: UM SANTO REMÉDIO

Alho (Allium sativum L.), membro da família das cebolas, tem sido cultivado desde á milhares de anos e, é usado largamente pelos seus ambos atributos, culinário e medicinal. À medida que nos tornamos mais acostumados ao sabor do alho, e nos tornamos conhecedores dos múltiplos benefícios que comer alho traz à saúde, a popularidade desta especiaria tem crescido.
A maioria das espécies de alho cresce em clima ameno. As espécies nativas em clima amenos e transportadas para clima frio, normalmente não se desenvolvem bem e quase sempre apresentam um sabor excessivamente forte. O alho é uma espécie de planta adaptável a diversos climas, entretanto, e ao longo de milhares de anos, foram desenvolvidas variedade que crescem bem em clima frio e sempre com um sabor melhor.
O alho está disponível o ano inteiro, e sob diversas formas além do alho fresco, como em pó, em flocos, óleo ou puré.
Benefícios à saúde
As propriedades medicinais e os benefícios que o alho traz à saúde são de há muito conhecidas. O alho tem sido considerado a “maravilha das drogas” herbáticas, com a reputação folclórica de “curar desde um simples resfriado até a peste bubônica”. Tem sido muito usado na medicina herbática (fitoterapia). Cru, tem sido aplicado no tratamento de alguns sintomas da acne, e há algumas evidencias de que pode ajudar na administração dos níveis de colesterol. Pode ser usado até como repelente natural de mosquitos.
Em geral, quanto mais forte o sabor do alho maior o teor de enxofre, portanto, maior o seu valor medicinal. Algumas pessoas sugerem que o alho orgânico tende a ter mais enxofre ainda.
Alguns preferem consumir os suplementos do alho (pílulas e cápsulas) o que evita o hálito de alho.
A ciência moderna mostrou que o alho é um poderoso antibiótico, embora de acção generalizado, não específica a algum tipo de infecção, com a grande vantagem de que o organismo parece não desenvolver resistência conta ele, o que possibilita um benefício à saúde e capacidade curativa contínua, ao longo do tempo.
Antioxidante
Dois estudos mostram que o alho – especialmente o envelhecido – podem ter um poderoso efeito antioxidante. Os antioxidantes ajudam a proteger o corpo contra os “radicais livres”.
Anticoagulante
Pela sua característica anticoagulante, é recomendável para pessoas com pressão arterial elevada, não sendo recomendado o seu consumo p'ra pessoas recém submetidas a cirurgias.
Desobstrui as vias respiratórias
Por na boca um dente de alho cru, levemente ferido, desobstrui as vias respiratórias, sendo possível até que sejam repelidas crises de asma.
Efeitos colaterais
1. Quando consumido cru e em grande quantidade pode trazer problemas ao sistema digestivo.
2. Pela sua característica anticoagulante, não é recomendado o seu consumo p'ra pessoas recém submetidas a cirurgias.
3. Alergias ao alho podem apresentar resseca mento da pele, elevação da temperatura do corpo (estado febril) e dor de cabeça.
Você sabia?
O alho elefante não é realmente alho e seu sabor é muito mais moderado que o do alho branco.
por: felipex

A vida é muito exigente

A vida é muito exigente
Nada sente, nada espera
trata da gente exatamente
como a gente trata dela

E é tão preeminente
que se a gente não sorrir pra ela
ela fica de mal com a gente

Então, dialogue com ela
de agora em diante, aja diferente
pense e plante nela
diariamente do sorriso a semente

Nunca desista dela
e ela será sempre complacente
e muito condescendente
trazendo alegria corrente

Lute por ela
e ela jamais será resistente
Seja insistente
creia nela
e ela será sempre surpreendente!

Big Bang

Em 1927 foi formulada por George Lemaitre a teoria de que o universo se originou a partir de uma grande explosão, o Big Bang. Hoje já não é assim ?

Vidas Entrelaçadas...

A chuvinha fina da esperança
Plantamos a dourada semente de vida
Escrevemos nosso livro de lembranças,
podemos fechar o romancemesmo sem um último capítulo
Nossa imaginação tinha navegadoatravés de lagos e oceanos
agora estamos na beira de um riacho
que parou de correr, falta de ninguém
Foi tudo tão maravilhoso
quando os sonhos voavam livres.
Felizmente o céu continua azul
nossas asas ainda pedem mais vento
sem feridas nem cicatrizes.Levamos corações mais afinados
para dançar outras valsas
Pelas imutáveis regras do universo,você continuará a ser parte de mim
e eu parte de você para sempre
no ciclo de vidas entrelaçadas...
Autor: Joseph E. de Sousa

Penhora online de veículos disponível a partir de segunda-feira

pois, então será para os "suspeitos" do costume...
"A penhora de veículos através da Internet passa a ser possível a partir de segunda-feira, uma medida que vai permitir a redução em 50 por cento do valor actual cobrado em qualquer conservatória, anunciou o Ministério da Justiça.Numa primeira fase, o serviço será disponibilizado, a título experimental, a alguns solicitadores de execução, seleccionados pela Câmara dos Solicitadores. A partir do final de Janeiro de 2008 estará disponível para todos os solicitadores de execução do país. "

23/12/2007

CMVM vê sinais de «ilícito criminal» no BCP.

O mais interessante nesta estória, é o facto dos bancos serem obrigados a terem empresas a fazer-lhes auditorias; a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários a superintende-los, etc, etc, e nunca ninguém viu nada de anormal?!
Eu, tal como milhares de pessoas neste país, sou cliente deste banco e como todos os outros andamos a pagar e bem, para estes Srs, que se aproveitam e bem, do lugares que ocupam e da complacencia dos que deviam zelar pela boa organização e cumprimento dos deveres, do banco com a sociedade!
"(CMVM) já finalizou as suas investigações preliminares à gestão do Grupo BCP, «tendo concluído pela existência de indícios seguros de ilícitos criminais», avança o jornal Público na edição deste sábado."

22/12/2007

Lobos e cordeirinhos

De: Miguel Sousa Tavares
No Expresso.
Publico-o pois concordo com ele!

"1 Por causa das gravuras supostamente paleolíticas de Foz Coa (algumas desenhadas há 30 anos) deixou de se fazer uma barragem que era importante para a regularização do Douro; e, por não se ter feito essa barragem, vai avançar-se agora com a respectiva compensação, que é uma barragem no Sabor - um dos últimos rios despoluídos e em estado natural do país - que terá consequências ambientais desastrosas. Mas, na altura, Guterres e Carrilho queriam inaugurar o seu Governo com uma caução 'cultural', cavalgando uma onda de demagogia imaginada por uma inteligente máquina propagandística de interessados em arranjar um 'tacho' no futuro Parque Paleolítico do Coa. "As gravuras não sabem nadar", gritavam eles. E, porque as gravuras não sabem nadar, destrói-se o rio Sabor.
Tempos depois, foi a vez das pegadas da passagem de um dinossauro na CREL. "Achado arqueológico de extrema importância", arranjou logo os seus acérrimos defensores. Fez-se então um túnel, para preservar por cima as marcas indeléveis da passagem do dinossauro excelentíssimo. Tal como em Foz Coa, as boas almas que se encarregam de desbaratar dinheiros públicos a qualquer pretexto juraram que o local seria ponto de permanente romaria de criancinhas das escolas, levadas compulsivamente, e de milhares, milhões de adultos, idos voluntariamente, em súbito fervor histórico-cultural. E só a chegada do défice evitou que ao túnel se juntasse ainda um museu do dinossauro. Mesmo assim, milhões e milhões e milhões depois, duvido que mais de uma dúzia de curiosos por ano se preocupe em ir ver as pegadas do bicho; e, quanto a Foz Coa, retenho a exclamação sentida de uma habitante local, aqui há tempos: "Até agora, ainda não ganhámos nada com as gravuras!" Pois não , minha senhora, mas isto de ganhar dinheiro sem fazer nada, apenas abrindo a torneira do Estado, não acontece todos os dias.
Agora, li aqui que, por cima da A-24, entre Vila do Conde e Vila Pouca de Aguiar, se fez um 'loboduto', para que os distintos animais (que não se sabe ao certo quantos são) não vejam interrompidos os seus supostos territórios de passagem na serra da Falperra. Eu acho o lobo um animal interessante e Deus me livre de não os querer preservar. Mas, francamente, 100 milhões de euros (20 milhões de contos!) por um 'loboduto' - onde, ainda por cima e segundo testemunhos locais, é improvável que venha a passar algum lobo, porque não só não se sabe se eles existem mesmo ali como ainda se sabe que ao lado existe uma pedreira que costuma fazer explosões - parece-me um bocadinho, como direi, talvez exagerado?... Vamos admitir que existem por ali dez lobos, a quem aquilo facilita a vida; vamos mesmo admitir que existem vinte: um milhão de contos por lobo não será de mais? Quantos anos, e sempre com gravíssimos problemas de saúde e assistência, não teria de viver um português para que o Estado gastasse com ele um milhão de contos?
Como se conseguiu chegar a este verdadeiro deboche contabilístico? Segundo conta o 'Expresso', da maneira mais simples e mais habitual: através da contratação de estudos e pareceres técnicos a 'especialistas'. A consultadoria para o Estado - um dos mais prósperos negócios que existem em Portugal.
2 Pela mesma altura de Foz Coa - governava Guterres e era ministro da Economia Pina Moura -, a consultadoria externa levou o Estado a celebrar outro extraordinário negócio. Existia uma empresa privada, a Grão Pará, que parece que tinha o mau hábito de se esquecer de pagar à Segurança Social. Já uma vez tinha conseguido negociar de forma a que o Estado lhe pusesse as dívidas a zero, mas, anos depois, estava outra vez na mesma situação. Como resolver o problema? Por dação em pagamento. Acontece que a dita empresa tinha dois bens, qual deles o mais valioso. Um era um hotel no Funchal, construído ao lado do que dava para imaginar facilmente que um dia seria o prolongamento da pista de aterragem do aeroporto. Quando a pista foi mesmo prolongada, o hotel ficou condenado à falência, porque não há muitos hóspedes que queiram dormir onde aterram aviões. O outro era o Autódromo do Estoril, onde sucessivas injecções de dinheiros públicos não tinham conseguido o milagre de o tornar rentável nem sequer de lá manter a Fórmula 1. E foi com estes dois bens falidos que o Estado se contentou em troca do perdão da dívida. Na altura escrevi um artigo perguntando como é que um Governo que tudo queria privatizar se lembrava de 'nacionalizar' um autódromo e como é que o Estado transformava um crédito num encargo financeiro para si. Respondeu no mesmo jornal o ministro Pina Moura. Dizia que o autódromo era essencial para o turismo e para o 'interesse público' e que, feitas umas pequenas obras de melhoramento, logo regressaria a Fórmula 1 e lucros a perder de vista.
Passaram-se dez anos e o Autódromo do Estoril, depois de dezenas de milhões de euros de dinheiros públicos gastos em melhoramentos, manutenção e honorários dos seus administradores (e, obviamente, sem jamais voltar a ver a Fórmula 1 ou qualquer coisa que se parecesse), foi esta semana posto em leilão público por 35 milhões de euros. Não apareceu nenhum interessado. Pelo que, das duas uma: ou se arrasa e urbaniza tudo aquilo (fazendo mais uma alteração legislativa, porque os terrenos são de construção proibida), ou teremos de continuar a suportar eternamente os custos deste brilhante acto de governação.
3 E sabem porque é que estas coisas acontecem? Porque há um poderosíssimo lóbi de consultadoria instalado à mama do Estado, há anos sem fio, que dita, influencia e condiciona as decisões dos executivos. Para 2008, o Governo orçamentou 370 milhões de euros (!) para gastar com eles em "estudos, pareceres, projectos e consultadoria". Eles, quem? Pois, isso é segredo de Estado, Há um ano que o semanário 'Sol' tenta obter, ao abrigo da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, a lista dos beneficiários deste bodo. Em vão. O Governo fecha-se em copas e os tribunais administrativos protegem-lhe a manha. É que, se visse a público a lista das eminentes personalidades, dos ilustres técnicos e dos influentes escritórios de advogados e consultores que entre si fazem assessoria aos governos - seja para comprar armas, submarinos ou autódromos ou para dar parecer técnico sobre 'lobodutos' ou contratos com Angola -, uma grossa fatia da respeitabilidade pública desabaria por terra.
Repito o que de há muito venho dizendo: em termos de cidadania, há duas espécies de portugueses - os que vivem a pagar ao Estado e os que vivem a tirar ao Estado. E o resto é conversa de comendadores ou de 'benfeitores'."

Ainda o Tratado de Lisboa

vá-se lá saber !
"O que vão pensar os outros líderes europeus de um primeiro-ministro que hesita durante uma semana se deve ou não deixar-se fotografar a assinar o tratado?"

William Hague, político britânico, sobre o facto de Gordon Brown ter assinado sozinho [mais duas horas depois restantes líderes dos 27] o Tratado de Lisboa. Público, 14/12/2007 »

DEDICATÓRIA AOS GRANDES DE PORTUGAL (CARTAS CHILENAS)

Ilmos. e Exmos. senhores,
Apenas concebi a idéia de traduzir na nossa língua e de dar ao prelo as Cartas Chilenas, logo assentei comigo que Vv. Exas. haviam de ser os Mecenas a quem as dedicasse. São Vv. Exas. aqueles de quem os nossos soberanos costumam fiar os governos das nossas conquistas: são por isso aqueles a quem se devem consagrar todos os escritos, que os podem conduzir ao fim de um acertado governo.
Dois são os meios por que nos instruímos: um, quando vemos ações gloriosas, que nos despertam o desejo da imitação; outro, quando vemos ações indignas, que nos excitam o seu aborrecimento. Ambos estes meios são eficazes: esta a razão por que os teatros, instituídos para a instrução dos cidadãos, umas vezes nos representam a um herói cheio de virtudes, e outras vezes nos representam a um monstro, coberto de horrorosos vícios.
Entendo que Vv. Exas. se desejarão instruir por um e outro modo. Para se instruírem pelo primeiro, têm Vv. Exas. os louváveis exemplos de seus ilustres progenitores. Para se instruírem pelo segundo, era necessário que eu fosse descobrir o Fanfarrão Minésio, em um reino estranho! Feliz reino e felices grandes que não têm em si um modelo destes!
Peço a Vv. Exas. que recebam e protejam estas cartas. Quando não mereçam a sua proteção pela eloqüência com que estão escritas, sempre a merecem pela sã doutrina que respiram e pelo louvável fim com que talvez as escreveu o seu autor Critilo.
Beija as mãos
De Vv. Exas.
O seu menor criado...

Tomás Antônio Gonzaga

Dez réis de esperança

Se não fosse esta certeza
que nem sei de onde me vem,
não comia, nem bebia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos á boca
e viesse o que viesse.
Não fossem os olhos grandes
do ingénuo adolescente,
a chuva das penas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aguarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela,
não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,
viram, e não perceberam,
essas máscaras selectas,
antologia do espanto,
flores sem caule, flutuando
no pranto do desencanto,
se não fosse a fome e a sede
dessa humanidade exangue,
roía as unhas e os dedos
até os fazer em sangue.
António Gedeão

Pedra Filososal

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

António Gedeão

04/12/2007

Este ano não vai haver presépio!

Este ano não vai haver presépio!...
Lamentamos mas:
- Os Reis Magos lançaram uma OPA sobre a manjedoura e esta foi retirada do estábulo até decisão governamental ;
- Os camelos estão no governo;
- Os cordeirinhos estão tão magros e tão feios que não podem ser exibidos;
- A vaca está louca e não se segura nas patas;
- O burro está na Escola Básica a dar aulas de substituição;
- Nossa Senhora e São José foram chamados à Escola Básica para avaliar o burro;
- A estrelinha de Belém perdeu o brilho porque o Menino Jesus não tem tempo para olhar para ela;
- O Menino Jesus está no Politeama em actividades de enriquecimento curricular e o tribunal de Coimbra ordenou a sua entrega imediata ao pai biológico ;
- A ASAE fechou  temporariamente o estábulo pela falta da manjedoura e, sobretudo, até serem corrigidas as péssimas condições higiénicas do estábulo, de acordo com as normas da UE.

16/11/2007

Arbitragem portuguesa.

"A FIFA e a UEFA têm de perceber que a forma de avaliar os árbitros em Portugal é uma anarquia total. Nunca vi nenhum clube apresentar uma contestação para que a nota de um árbitro fosse alterada. Isto só neste país." Pedro Proença reagiu assim ao facto de a Comissão de Arbitragem (CA) da Liga lhe ter alterado de 3,7 para 2,7 (o máximo é cinco) a nota que obteve no FC Porto-Sporting (segunda jornada).

10/10/2007

Atendimento bancário personalizado.

- Alô? Quem tá falando?

- É o ladrão.

- Desculpe, eu não queria falar com o dono do banco. Tem algum funcionário aí?

- Não, os funcionário tá tudo como refém.

- Eu entendo. Trabalham quatorze horas por dia, ganham um salário ridículo,

Vivem levando esporro, mas não pedem demissão, porque não encontram outro emprego, né? Vida difícil. Mas será que eu não poderia dar uma palavrinha com um deles?

- Impossível. Eles tá amordaçado.

- Foi o que pensei. Gestão moderna, né? Se fizerem qualquer crítica, vão pro olho da rua. Não haverá, então, algum chefe por aí?

- Claro que, não, meu amigo. Quanta inguinorânça! O chefe tá na  cadeia, que é o lugar mais seguro pra se comandar um assalto.

- Bom... Sabe o que que é? Eu tenho uma conta...

- Tamo levando tudo, ô bacana. O saldo da tua conta é zero.

- Não, isso eu já sabia. Eu sou professor. O que eu queria mesmo era uma informação sobre juro.

- Companheiro, eu sou um ladrão pé-de-chinelo. Meu negócio é pequeno.

Assalto a banco, vez ou outra um seqüestro. Pra saber de juro é melhor tu ligar pra Brasília.   

- Sei, sei. O senhor tá na informalidade, né? Também, com o preço que tão cobrando por um voto hoje em dia. Mas, será que não podia fazer um favor pra mim? É que eu atrasei o pagamento do cartão. E queria saber quanto vou pagar de taxa.   

- Tu tá pensando que eu tô brincando? Isso é um assalto!

- Longe de mim. Que é um assalto, eu sei perfeitamente. Mas queria saber o número preciso. Seis por cento, sete por cento?

- Eu acho que tu não tá entendendo, ô mané. Sou assaltante.

Trabalho na base da intimidação e da chantagem, saca?

- Ah, já tava esperando. Vai querer vender um seguro de vida ou um título de capitalização, né?  

- Não... Eu... Peraí, bacana, que hoje eu tô bonzinho. E vou quebrar o teu galho.(um minuto depois) . Alô? O sujeito aqui tá dizendo que é oito por cento ao mês.

- Puxa, que incrível!

- Tu achava que era menos?   

- Não, achava que era isso mesmo. Tô impressionado é que, pela primeira vez na vida, consegui obter uma informação de uma empresa prestadora de serviço, pelo telefone, em menos de meia hora e sem ouvir Pour Elise.

- Quer saber? Fui com a tua cara. Dei umas bordoadas no gerente e ele falou que vai te dar um desconto. Só vai te cobrar quatro por cento, tá ligado?   

- Não acredito! E eu não vou ter que comprar nenhum produto do banco?

- Nadica. Tá acertado.

- Muito obrigado, meu senhor. Nunca fui tratado dessa...

- Ih, sujou! (tiros, gritos) A polícia!

- Polícia? Que polícia? Alô? Alô? sinal de ocupado)

- Alô?.. Droga! Maldito Estado!!! Sempre intervindo nas relações entre homens de bem!  

08/08/2007

TESTEMUNHO DE UMAS BOAS (MÁS)HORAS NA BOA HORA

Por: Fernanda Câncio

Tribunal da Boa Hora, esta semana. Convocada como testemunha para as 14 horas, apresento-me, pontualmente (que é como quem diz, muito a tempo para quem conhece o funcionamento dos tribunais portugueses) às 14.07. No foyer do tribunal, uma fila de vinte pessoas, ostentando o BI, espera a vez para receber um cartão de visitante das mãos de uma funcionária estonteantemente lenta. Ainda avento existir uma entrada para público e outra para testemunhas, mas não. Só "advogados, funcionários e magistrados" têm acesso livre, sem necessidade de identificação, revista policial ou sequer um olhar. É levar uma pastinha e entrar em passo assertivo e estugado, e poupa-se um quarto de hora (pelo menos) em pé, mais a necessidade de mostrar o conteúdo do saco, dos bolsos e quaisquer "limas ou corta-unhas" que transporte, assim como da entrega da tampa da garrafa de água que porventura (avisadamente) traga consigo e da submissão ao detector de metais. Qualquer energúmeno que queira entrar de Uzi, bomba ou faca de cozinha se fará passar por advogado, relegando a revista do "povo" para a função de cumprir o regulamento (para além, naturalmente, de pôr o povinho no lugar).
E as regras são sagradas. Quando o casal à minha frente na fila, acompanhado da filha de seis anos, alcança a vez, a funcionária é peremptória: "A criança não pode entrar." Os pais explicam que não tinham onde a deixar e prometem que ela não entrará na sala de audiências. Sem sucesso. Quando o pai diz à filha para se sentar na entrada do tribunal "à espera", a funcionária nem pestaneja.
No país em que toda a gente vibra com a sorte da inglesinha Maddie, há um tribunal que, sem fazer nas convocatórias qualquer referência ao facto, barra a entrada a crianças e se borrifa na sua sorte - até que sejam objecto de um crime, altura em que promete dedicar-lhes horas de reflexão, pesar e rigoroso apuramento de responsabilidades. Há mais perfeita caricatura da relação imperial e mecânica da justiça portuguesa com os cidadãos? Depois disto, talvez nem valha a pena lembrar o desprezo que demonstra pelas testemunhas, ao fazê-las esperar horas perdidas e às vezes dias a fio pelo momento de serem ouvidas, num edifício em que não existe um local para beber água (descontando os lavatórios das casas de banho) nem para comprar alimentos, e onde os lugares sentados são exíguos. E é a justiça, diz a Constituição, administrada em nome do povo, e é este um dos tribunais da capital. O tal que foi há dias notícia por causa de um rato. Num navio tão naufragado, é caso para perguntar se não seria o último.

DIAS CONTADOS - ABONOS DE FAMÍLIA

Por: Alberto Gonçalves
sociólogo

Cavaco Silva pediu políticas de estímulo à natalidade. O Governo subscreveu o apelo. A Associação de Famílias Numerosas (AFN) aplaudiu-o. E a Associação de Famílias Minúsculas, que fundei anteontem, escusa-se a comentar.
Há razões válidas para que Portugal (e a Europa) se aflijam com a baixíssima natalidade em vigor. Razões "economicistas", com vista ao futuro da Segurança Social. Razões "xenófobas", dado o abismo entre as taxas de procriação dos europeus "velhos" e as taxas dos europeus "novos" e da imigração em geral. Razões "ideológicas", relacionadas com o "valor" que a família dita tradicional representa para os conservadores, por exemplo. Não é arriscado presumir a razão que move Cavaco.
Já a AFN defende os incentivos à natalidade apenas porque sim. Ou, melhor dizendo, porque beneficia os respectivos membros. Em abstracto, nada justifica que as proles abundantes mereçam do Estado simpatia adicional. E é perigoso que o Estado entenda discriminar positivamente (ou negativamente) os agregados em função da sua semelhança quantitativa com o Rancho Folclórico de Penalva do Castelo.
Convinha que as famílias, vastas ou diminutas, resultassem de escolhas livres e não da adaptação interesseira às decisões do Estado. O qual, aliás, não se deveria meter onde não é chamado. Nem, para o caso, onde de facto o chamam. Salvo situações de profunda estupidez, ser mãe solteira ou pai de dezasseis petizes deriva de opções pessoais, sem direito legal a sanção ou recompensa. No máximo, e de acordo com o IRS de cada um, acho legítimo que os filiados na AFN reivindiquem um pequeno subsídio - não para o sustento dos filhos, mas para a aquisição de contraceptivos.

A PALESTINA AINDA NÃO VENCEU
Parece que o momento de maior efervescência da convenção do Bloco de Esquerda, realizado no fim-de-semana, sucedeu quando uma embaixada de agrupamentos palestinianos foi recebida aos gritos de "Palestina vencerá!". Duvido que o entusiasmo seja recíproco. Não consta que os congressos do Hamas e da Fatah se comovam com as causas internas do BE, e que os seus delegados se levantem a berrar "O Zé faz falta!" ou "Não ao offshore da Madeira!".
De resto, a devoção altruista do Ocidente por aquele pedaço específico da Terra não se esgota nos malucos da extrema-esquerda. Antes pelo contrário. Por tudo o que é jornal e noticiário da Europa, o 40º aniversário da Guerra dos Seis Dias viu-se transformado na evocação dos quarenta anos do "sofrimento palestiniano". Mais: a própria guerra terá sido um erro cometido por Israel, o seu desfecho uma vitória de Pirro, e as suas consequências uma "calamidade" até para o "estado judaico". As aspas prendem-se com um recente, e assaz citado, editorial da insuspeita "The Economist", publicação capaz de imprimir uma irracionalidade recorrente face a Israel e manter-se insuspeita.
Não é preciso acenar com documentos recém-descobertos, como fez o historiador Michael Oren, para provar que as pretensões do Egipto (e da Jordânia, e da generalidade dos países mais ou menos vizinhos da "nação sionista") em 1967 se limitavam a um pormenor quase ternurento: a erradicação de Israel e a chacina ou, nas versões humanitárias, a expulsão dos israelitas. Tradução: Israel vencia a guerra ou desaparecia. Israel venceu e permaneceu um estado civilizado no meio da barbárie. Para muitos, eis um erro imperdoável.
G8
Um outro mundo não é possível. Um mundo em que se desconfie de campeões dos oprimidos que ostentam, com orgulho, os símbolos dos piores totalitarismos. Um mundo em que estadistas democraticamente eleitos se possam encontrar na Alemanha ou onde quiserem, sem o acompanhamento de hordas de selvagens. Um mundo em que selvagens com tempo a mais e higiene a menos não atinjam o popular estatuto de "activistas", e no qual a destruição de propriedade e a agressão física não passe por afirmação politica. Um mundo em que, após demorado processo de lavagem e desparatização, haja coragem para acomodar os "activistas" no seu habitat natural: as jaulas. Um mundo em que o presidente dos EUA não solte um apalermado "Bono para presidente!" à passagem de uma vedeta "rock". Um mundo em que se despreze a autoridade de cançonetistas notoriamente boçais para opinar acerca do destino do Homem. Um mundo em que não se condicione o destino do Homem a "ameaças climáticas" e palpites sem fundamento científico. Um mundo em que a globalização seja avaliada pela riqueza global que comparativamente gera e não pela "desigualdade" que as alucinações de tantos lhe atribuem. Um mundo em que as principais conquistas do mundo não fossem odiadas por aqueles que delas mais usufruem. Um mundo que fizesse sentido.

ESCOLA DE RECONDUÇÃO
Com despacho assinado pelo engenheiro Sócrates (duas palavras que não voltarão a ser associadas sem receio de interpretação irónica), o Governo reconduziu a directora regional de Educação do Norte no cargo. Segundo o presidente da distrital socialista do Porto, parece que a decisão se deve à "competência" da senhora. Apesar dos protestos da oposição à direita e dos descrentes de serviço, não vejo que outros motivos tenham fundamentado a recondução.
Que critérios se pode invocar para pôr em causa a competência da senhora? Não serão, decerto, critérios técnicos. Como mostram os testes de aferição de português e matemática, experiências avançadas que premeiam o puro erro, a função prevista do ensino público faleceu há muito, e o cadáver não depende particularmente da DREN. Entidades assim perpetuam-se para que o poder político distribua funcionários e para que os funcionários retribuam o favor. Antes do prof. Charrua, a sra. Margarida Moreira, detentora de um passado impressionante enquanto educadora de infância e sindicalista, já despachara cinco criaturas, por aquilo que ela toma por desrespeito ou por aquilo que o Governo a manda tomar por desrespeito. A sra. Margarida faz, e bem, o que dela se espera, afinal uma apropriada definição de competência e uma virtude que não tem preço. Ou tem: o salário de directora regional. Por mais uns anos.
CRIME DELE, NOSSO CASTIGO
Começou o julgamento de António Costa (não é esse), o alegado homicida de Santa Comba Dão (não é esse). O sr. Costa é um antigo cabo da GNR e, apesar do barulho em seu redor, não faço ideia se está inocente. Se está, o caso é uma vergonha. Se não está, o caso é uma vergonha maior.
A excitação e a pressa levaram a imprensa a chamar o sr. Costa de "serial-killer". À portuguesa, faltou especificar. Um assassino em série competente não nega crimes em tribunal: confessa os que cometeu, junta-lhes alguns que não cometeu (para compor o currículo), enriquece-os com pormenores macabros e a seguir sorri à plateia, consolado e doido. Medroso, o típico assassino nacional admite em privado, para em público se encolher, negar tudo e desatar a distribuir lamúrias.
À imagem do verificado em tantos ramos de actividade, também no assassínio em série não conseguimos alcançar os níveis dos países desenvolvidos. Concedo, não é exactamente uma razão de queixa: a vida real passa bem sem um certo tipo de matanças indiscriminadas. O chato é que a vida ficcional não. Um destes dias, a propósito do sr. Costa, Ferreira Fernandes lembrou aqui no DN que Portugal não possui uma literatura policial. Concordo e acrescento: nem literatura, nem cinema, nem nenhuma forma de expressão artística que se tente alimentar, com proveito, do vital tema do crime.
Quer dizer, criminosos nós temos. Mas são, quase invariavelmente, ex-polícias, camponeses alcoolizados, débeis mentais e vítimas do rendimento mínimo. Por sua vez, o móbil dos crimes prende-se normalmente com terras, águas, ciúmes, drogas, frustração sexual e outros elementos telúricos que não dão enredo ou, o que é pior, dão enredos péssimos. A acreditar nas escutas ao arguido, o sr. Costa matou três raparigas porque "queria um beijo" e "andava stressado". Pois é, nascer, e morrer, em Famalicão ou Telheiras não é o mesmo que nascer, e morrer, em Cleveland ou São Petersburgo. Psicopatas autênticos suscitam análises e parábolas sobre o mistério da condição humana. Os nossos retratam a pobreza de espírito: perante a prisão iminente, o maior desgosto do sr. Costa consiste em não regressar à Casa do Benfica.
Com personagens e tramas destas, a ficção pátria vem-se arrastando-se dos folhetins de cordel ao neo-realismo e ao cinema contemporâneo por entre vinganças, invejas, violadores de bairro, familiares desavindos, toxicodependentes confusos e a miséria literal e criativa. Em suma, um aborrecimento de morte. Embora haja relativa perícia em tornar, como os portugueses tornam, a morte aborrecida.
António Costa percebeu que não ganha Lisboa com a folga desejada sem fingir questionar, ao menos um bocadinho muito pequenino, o aeroporto da Ota. Mas uma coisa é simular objecções a um projecto duvidoso, assente em argumentos anedóticos e num lamaçal. Outra coisa é julgar que a defesa de um retrocesso geral no sistema de transportes constitui um bom mote para a campanha. Quando António Costa aparece a pedalar por Belém e a prometer rasgar a cidade com "ciclovias", é chegada a altura de os seus assessores lhe aconselharem moderação.
Primeiro, há o problema da coerência política: ninguém acredita que o antigo "número dois" do exacto Governo que quer cercar a capital com terminais aéreos e linhas de TGV seja um adepto indefectível do ciclismo. Depois, há o problema do interesse comum: ninguém aspira a trocar o automóvel pela bicicleta na sua rotina diária.
Vale ao dr. Costa que os demais candidatos também partilham a aparente obsessão por sujeitar as massas a meios de locomoção arcaicos e cansativos. Ler as diversas propostas eleitorais é antecipar uma intrincada teia de ruas fechadas ao trânsito, "corredores verdes", "passadiços", "eixos pedonais", "faixas cicláveis" (?), etc. A aversão dos putativos autarcas lisboetas aos transportes comuns terá começado no momento em que Marcelo Rebelo de Sousa se lançou ao Tejo, numa subtil tentativa de demonstrar a inutilidade de carros e cacilheiros.
Mas nem o presciente prof. Marcelo adivinharia o fervor ruralista e ecológico que hoje domina a corrida à CML. Além de procurarem regular o tráfego urbano pelos padrões de 1935, os concorrentes sonham com colectividades de bairro, mercearias de esquina, teatro nas ruas, heranças árabes, "pulmões" florestais, "agricultura urbana" e, eu fique ceguinho, o combate municipal ao aquecimento global. Um terço das propostas de governação camarária resume-se a este Manifesto do Atraso de Vida, assumidamente "giro" e naturalmente inviável. Os restantes dois terços são banalidades, que oscilam entre a "devolução de Lisboa" aos lisboetas ou ao rio.
Sugiro um compromisso: devolva-se de facto Lisboa (ou o matagal que dela sobrar) ao rio e, já que a finalidade é convertê-los à força aos ideais da Quercus, mude-se os lisboetas para a Albânia, o Nepal ou qualquer lugar assim "pedonal", "ciclável" e rústico. Não fosse o aeroporto e a Ota seria uma solução igualmente válida.
LISBOA ANTIGA UMA FACTURA PESADA
A custo, a imprensa britânica ainda tolerou que os agentes da Polícia Judiciária não se dignassem informá-la, a intervalos regulares, de todos os avanços, recuos e irrelevâncias em volta do desaparecimento da "pequena Maddie". Mas a imprensa britânica não tolera que, em vez de procurarem Maddie, ou - o que seria perfeito - convocarem conferências a cada dez minutos, os agentes da PJ demorem duas horas num almoço, para cúmulo num restaurante caro, especializado em mariscos e permeável a fotógrafos ingleses. Aparentemente, as chefias da PJ concordam com a imprensa britânica e, a fim de evitar vergonhas, as fotografias da almoçarada foram apreendidas. De futuro, os polícias que tentem os couratos.

A INCOMPREENSÍVEL DIVERSIDADE DA UNIVERSIDADE

Por : João César das Neves
Enquanto rebentam escândalos nas universidades, uma nova geração prepara-se para entrar no ensino superior. Vale a pena, sem pretensões, dar uma simples olhadela a essa realidade. Há coisas que só vistas!
No ano lectivo de 1950/51 havia em Portugal quatro universidades (Lisboa, Técnica, Coimbra e Porto) num total de 21 estabelecimentos de ensino superior (faculdades, institutos, escolas). Em 1975/76 havia mais quatro (Aveiro, Minho, Católica e Nova) em 73 estabelecimentos. No ano lectivo de 2005/06 tínhamos 24 instituições intituladas "universidade" e 326 estabelecimentos.
Na leccionação o crescimento foi ainda maior. Em 1950/51 existiam 49 nomes diferentes de cursos, representando um total de 90 possibilidades de matrícula nas várias escolas. Em 1975/76 as designações eram já 121, dando 246 opções de inscrição. Em 2005/06, havia uns incríveis 1877 títulos diferentes, permitindo aos pobres candidatos escolher entre 5485 alternativas de escola/curso. Destas, 102 eram bacharelatos, três mil licenciaturas (das quais 1307 com possibilidade de bacharelato), 776 mestrados, 1161 cursos de doutoramento e 446 outros graus (especializações, formações complementares, etc). A pirâmide está invertida.
Olhando só as licenciaturas, existem hoje 854 nomes diferentes. Um caso interessante é a Engenharia. Em 1950/51 havia nove tipos (Civil, Electrotécnica, Mecânica, Químico-Industrial, Minas, Agrónoma, Silvicultora, Geográfica e Militar), com 17 possibilidades de inscrição. Em 1975/76 eram 12. Uma mudara de nome (para Química), duas perderam o título de Engenharia (Agronomia e Silvicultura) e cinco novas surgiram (Máquinas, Metalúrgica, Têxtil, Informática e Maquinista Naval) num total de 26 inscrições. Mas em 2005/06 existiam 137 tipos diferentes de Engenharias em 586 diplomas.
Entre muitas outras, temos Engenharia Agrária, Agrícola, Agro-Florestal, Agronómica, Agro-Pecuária, Agrotecnológica, Florestal, Ambiental e dos Recursos Naturais, Biofísica, das Ciências Vitivinícolas e Zootécnica. Há Engenharia Cerâmica, das Madeiras, de Polímeros, Papel, Vestuário, Vidro. E ainda Engenharia Eléctrica, Electrónica, Electromecânica, Electrotécnica e até Mecatrónica. Temos Engenharia Publicitária, Alimentar, Automóvel, Aerospacial, Topográfica, Engenharia da Qualidade, Engenharia Clínica e Engenharia da Linguagem e do Conhecimento.
Outro campo peculiar é o da Gestão. Em 1950/51 havia só quatro licenciaturas em Administração (Comercial, Militar, Naval e Colonial), mas em 1975/76 já eram oito e começara a confusão das nomenclaturas. Em 2005/06, os 115 nomes da área pretendem fazer a gestão, direcção, administração, organização ou o planeamento de qualquer coisa. E são muitas coisas! Há Gestão Hoteleira, mas também Gestão da Água, do Solo e da Rega ou Gestão de Transportes, Intermodalidade e Logística. Há Gestão do Desporto, Gestão do Lazer e Animação Turística, Gestão do Património, Gestão de Rotas Temáticas e Direcção de Orquestra. E, claro, temos Gestão Bancária, de Recursos Humanos, de Informação, Marketing, Financeira e Fiscal. Mas também existe Planeamento Regional e Urbano, Tecnologias da Informação Empresarial, Química Industrial e Gestão. E até licenciaturas em Estudos Ingleses e Relações Empresariais, Filosofia e Desenvolvimento da Empresa, Tradução e Assessoria de Direcção, Línguas e Administração Editorial.
Estas são áreas que dizem dar emprego. Também há outras. Num país com cada vez menos alunos, existem 618 opções (11% do total) com "educação", "ensino", "escolar" ou "professor" no título. Há também doutoramento em Linguagens, Identidade e Mundialização, mestrado em Sexologia, licenciatura em Enologia e bacharelatos em Equinicultura ou Informação Médica e Farmacêutica. Há licenciaturas em Arquitectura de Design de Moda, mestrados em Evolução Humana, Aconselhamento Dinâmico, Medicina de Catástrofe, Psicologia da Dor ou Ciências do Sono e doutoramento em Estudos sobre as Mulheres.
O povo diz que "um burro carregado de livros é um doutor". Um povo carregado de cursos é um desastre.

JOE NO CCB, JOE NA PT, JOE NO BCP, JOE NO BENFICA. UAU, JOE

Por: João Miguel Tavares

 

A divinhem se forem capazes. Quem foi capa da última Visão? Tempo para pensar... Foi Joe Berardo. Quem foi capa da última revista Sábado? Resposta: Joe Berardo. Quem foi capa da última Tabu, a revista do semanário Sol? Pois bem: Joe Berardo. Quem foi capa da última NS, a revista que sai aos sábados com o DN e o JN? Pois é: Joe Berardo. E quem foi capa da última revista Única, do semanário Expresso? Eeeerhh... Por acaso foi a Angelina Jolie. Mas no interior havia 14 páginas dedicadas a Joe Berardo.
Nos últimos tempos, assim de repente, acho que Berardo não falhou um único acontecimento relevante ocorrido em Portugal. Eu próprio, nos meus sonhos, já me imagino a ser perseguido por um homem vestido de preto da sola dos sapatos até à gola, com um pin vermelho em forma de coração. Primeiro, foi a loooonga telenovela sobre o destino da sua colecção de arte contemporânea, que acabou albergada no CCB durante dez anos à custa do Estado português (Joe considera que fez um mau negócio, porque no final desses dez anos o País, a ressacar de aeroportos e TGV, vai evidentemente poder comprar-lhe a colecção por apenas 316 milhões de euros). Depois, foi a sua resistência a Belmiro na OPA da Sonae sobre a PT (Belmiro perdeu, Joe ganhou). A seguir, foi a contestação a Jardim Gonçalves no pós-OPA do BCP ao BPI (Jardim perdeu, Joe ganhou). Nos entretantos, assumiu-se como um dos patrocinadores no estudo da CIP que propôs Alcochete em vez da Ota como o sítio certo para construir o novo aeroporto (o Governo recuou, Joe avançou). Na última semana, apareceu a lançar uma OPA sobre 80% das acções do Benfica e a fazer directos em tudo o que era televisão (o Benfica engoliu, Joe sorriu). Parece aquela velha anedota: era um homem tão conhecido, tão conhecido, tão conhecido, que um dia foi ao Vaticano e as pessoas perguntavam: "Quem é aquele senhor de branco ao lado do Joe Berardo?"
Que Joe é mexido, não há dúvida. Mas esta avalanche mediática só é possível porque Portugal não chega a ser um jardim à beira-mar plantado: é mesmo uma caixita de fósforos, comprometida pela humidade. Basta um único homem com algum espírito de iniciativa, olho para o negócio e uns milhões no bolso para pôr os indígenas embasbacados e fazer parar metade do País. Reconheço-lhe o mérito e tiro-lhe o chapéu. Mas isto seria impensável em qualquer lugar realmente desenvolvido, com uma sociedade civil interventiva e uma classe empresarial pujante. Infelizmente, o sucesso de Berardo é a outra face da nossa pobreza. Ou, em forma de ditado popular: em terra de cegos quem tem olho é rei. Hey, Joe, lucky you

Dias contados

 

 Por : Alberto Gonçalves
CELEBRAR A INDIGÊNCIA
Com o alegado fim de entreter os emigrantes, a RTP enviou Júlio Isidro e Roberto Leal ao Luxemburgo. Crueldades de lado, nunca percebi a associação do Dia de Portugal com o Dia das Comunidades Portuguesas. Entre parêntesis, não percebo igualmente o que faz Camões no meio da pompa, embora esse seja um assunto diferente.
Aqui, o assunto é a singular leveza com que se comemora, em simultâneo, as virtudes da pátria e o facto de regularmente haver quem foge da pátria em busca de uma vida decente. Que se saiba, as inúmeras pessoas que empurrámos - e continuamos a empurrar - para o exterior não partiram devido aos encantos e oportunidades que Portugal lhes proporcionou. Partiram porque Portugal chafurda metodicamente nos arredores da pobreza, e um académico ou um operário da construção civil tem dez vezes mais possibilidades de prosperar em Boston ou em Barcelona.
Claro
que, conforme dizia Tevye, em "Um Violino no Telhado", e o prof. Salazar pacientemente nos explicou, não é vergonha ser pobre. Só que, ao contrário do prof. Salazar, Tevye acrescentava: "E também não é orgulho nenhum." É absurdo negar a mal remediada pelintrice indígena, que uns suportam por cá e outros, movidos por superior desespero ou coragem, não. Mas é um absurdo maior exaltar, na mesma data, a nossa imaginária grandeza e as vítimas da nossa real penúria.
Se houvesse um mínimo de pudor, a relação do Estado com os emigrantes resumir-se-ia à assistência consular, aliás em acelerado declínio. Servir-se deles para proclamar a "vocação universalista" e façanhas afins é, além de cínico, um involuntário exercício de comédia. O "universalismo" português advém de uma deplorável evidência: contas feitas aos sacrifícios e aos salários, milhões de portugueses preferem algum lugar do resto do mundo ao país. E usar o Dez de Junho para publicitar isto é um disparate que nem o melancólico discurso de Cavaco atenuou.
Segunda-feira, 11 de Junho
AS CONVICÇÕES DE UM HOMEM
Em declarações ao "Expresso", Mário Soares confessou uma sincera admiração por ditadores (Chávez, um "homem de convicções") e trapaceiros (Lula). Do que ele não gosta é de regimes livres, capitalismo, globalização, Ocidente, Blair, Bush e americanos em geral (os "gringos").
Nenhuma novidade. Há anos que o dr. Soares profere extravagâncias assim sem abalar o seu prestígio. Curiosamente, desta vez meio mundo reparou no último "Expresso" para descobrir, com espanto, que o dr. Soares não envelheceu bem.
O espanto é capaz de ser excessivo. O lamento, não. Nunca tendo sido de esquerda, também nunca partilhei da raiva que a direita dedica ao dr. Soares, a pretexto da descolonização, ou da inépcia governativa, ou, enquanto PR, das ingerências no "cavaquismo". À semelhança de milhões, eu acreditava que a determinante acção do dr. Soares durante o PREC o definia melhor que os posteriores pecadilhos e erros crassos.
Há muito que custa manter a crença intacta. Com o tempo, e as sucessivas atoardas, uma pessoa vai duvidando se o dr. Soares actual é uma triste degenerescência do democrata de 1975, ou se o dr. Soares de 1975 foi, afinal, um desvio oportunista e estratégico face à natureza radical do senhor que por aí anda, a produzir opiniões grotescas e a desiludir velhos fiéis. Infelizmente, não é de hoje que o fundador do regime se aproximou do pensamento (digamos) de Boaventura Sousa Santos. Felizmente, hoje aproxima-se do respectivo descrédito.
Terça-feira, 12 de Junho
O PREÇO DA DECISÃO
A benefício da candidatura de António Costa e da popularidade do eng. Sócrates, o Governo adiou por seis meses a confirmação da Ota. Perante a dádiva, a oposição entrou em delírio, não sei se por convicção nos súbitos méritos da alternativa Alcochete ou por saudades de uma boa pândega.
No meio dos bizarros festejos, o dr. Campos e Cunha ressuscitou para defender a combinação da Portela com um novo, e menor, aeroporto. A hipótese, que o Governo obviamente nem coloca, parece sensata. Porém, como nesta matéria ninguém evita um toque de excentricidade, o antigo ministro de Sócrates acrescentou logo que é preciso decidir até ao fim do ano, pois "começa a ser um pouco embaraçosa, até em termos internacionais, a incapacidade do país para tomar decisões".
Os "termos internacionais" são um conceito vago. Talvez o dr. Campos e Cunha tenha informações seguras de que nas ruas de Paris e de Chicago os avanços e recuos da Ota suscitem farta galhofa. Ou de que nos corredores das altas instâncias, da ONU e da NATO à UE e à FIFA, circula uma quantidade de anedotas alusivas sem paralelo na própria DREN.
De qualquer modo, eis um excelente motivo para nos despacharmos. Por interessantes que sejam as reflexões acerca dos solos, dos ventos, do relevo, dos acessos e, não esquecer, das verbas, tais minudências perdem importância quando comparadas com o que de facto conta: a imagem do país no estrangeiro. E se o estrangeiro nos dá seis meses para escolher a localização do aeroporto, convinha ultrapassar polémicas e chegar depressa a um consenso. Vital é não ficarmos mal lá fora.
E não se vê razão para nos limitarmos ao ramo aeronáutico. Podíamos adiantar serviço e poupar embaraços futuros, decidindo em quinze dias tudo o que houver para decidir nos próximos anos. A regionalização? Ouça-se o povo, mas decida-se. O casamento de "gays"? Ouça-se o povo, os noivos, a Opus Gay e a Opus Dei, mas decida-se. A legalização da bestialidade sexual? Ouça-se o povo, os perpetradores, os veterinários e os animais, mas decida-se. Uma candidatura às Olimpíadas de 2044? Ouça-se o povo, os fundistas do Sporting e decrete-se a construção de dezasseis novos estádios, mas, pelo amor de Deus, decida-se: os olhos dos outros estão postos em nós.
Não
falha: o atávico pavor do ridículo leva os portugueses a um ridículo maior. Estranhamente, esse não os embaraça. Nem em termos internacionais, nem, o que nos sai mais caro, em termos nacionais.
Quarta-feira, 13 de Junho
POBRES E BEM-AGRADECIDOS
O alegado roubo do relógio presidencial serviu para desviar a atenção das multidões que saudaram Bush na Albânia, um fenómeno que a esquerda não consegue explicar. Ou talvez não queira.
Até porque é simples. Em parte, a excitação em volta de Bush (ou dos EUA) representa um agradecimento pelo passado: a digressão de Bush pelo Leste europeu coincidiu com o vigésimo aniversário da exortação de Reagan em Berlim (a lendária "Destrua este muro, sr. Gorbachov!"), que sobreviveu como símbolo do tombo soviético. Em parte, a excitação em volta de Bush (ou dos EUA) representa as expectativas de futuro. Aquela gente é agora muito mais livre do que já foi e muito menos abonada do que pretende vir a ser. E se o modelo da liberdade política lhes chegou da América, é à América que eles reclamam o crescimento económico. No fundo, os albaneses nas ruas pediam capitalismo, um espectáculo que naturalmente choca o Ocidente capitalista.
A experiência da miséria é essencial à valorização da riqueza. A experiência da riqueza é essencial à depreciação das suas causas. Um dia, caso a vida lhes corra bem, os albaneses receberão o presidente dos EUA com vaias e sem necessidade de o aliviar de um relógio de cinquenta euros.
Quinta-feira, dia 14
MARCAR O PONTO
Não tenho nenhum problema com o dr. Charrua. De tal maneira, que quando instituí, por força da lei, o relógio de ponto, ele ficou dispensado de marcar o ponto." As palavras são de Margarida Moreira, directora regional de Educação do Norte, em entrevista ao DN. Ler os desabafos da senhora é compreender de que modo uma alma compassiva é fustigada pelos baixos instintos da humanidade.
Veja-se o exemplo do "ponto". O "ponto", imposto à DREN "por força da lei", vigora lá dentro segundo a infinita gentileza da sra. Margarida, que sujeita os funcionários problemáticos ao rigor horário e isenta os restantes da pontualidade. O princípio é sublime. Apenas não prevê a ingratidão da espécie, que conduz ao abuso. O imoral prof. Charrua, um dos privilegiados do "ponto", reagiu à deferência com uma anedota sobre o eng. Sócrates. Uma anedota, vírgula. A sra. Margarida, atenta, esclarece tratar-se de "um insulto ao cidadão José Sócrates, que além de cidadão é o primeiro-ministro de Portugal." E um insulto tão reles que se dirige a um cidadão e atinge um governante merece quinze vergastadas públicas e o degredo. A sra. Margarida, caridosa, optou por um meigo processo disciplinar. Alguém lhe agradeceu? Pelo contrário, forças malignas iniciaram uma "campanha difamatória", que "ataca" a DREN para "chegar" (expressões dela) à pobre directora.
Claro que "durante dois anos", a sra. Margarida, incansável, "mexeu em muitos interesses". Claro que, embora não goste de se "vitimizar como mulher", a sra. Margarida, condoída, sente que os ataques não aconteceriam se ela "fosse um homem". E claro que há "gente a aproveitar a boleia para tentar alguma coisa". Quem? A sra. Margarida, tímida, não revela as fontes da "campanha", mas menciona de passagem os meios: metódica, ela guarda "tudo o que tem saído na comunicação social, nos blogues, ofícios, em tomadas de posição, em artigos de opinião".
Artigos de opinião? Conheço casos. Quanto a mim, e antes que surjam equívocos a propósito de crónicas anteriores, juro não ter sequer sonhado em "atacar" a DREN, "chegar" à sra. Margarida, "tentar alguma coisa" com ela e ainda menos tomar em consideração a sua feminilidade. Isso é próprio de criaturas com problemas, justamente forçadas a marcar o ponto.
Sexta-feira, dia 15
A FACA OU O FAX
Os alunos de Medicina da Universidade de Coimbra (UC) não querem fazer o exame final de curso. A solução comum seria trocarem de curso, de carreira, de escola ou de cidade. A solução folclórica consiste em protestarem até a direcção da UC invocar cansaço e desistir do exame. Sendo (suponho) portugueses, os finalistas escolheram a segunda. Por azar, a direcção teima em não ceder, pelo que os eventuais futuros médicos ponderam "outras formas de luta, mais ao desagrado do corpo docente".
Não desejo perturbar a ponderação, e nem digam que vão da minha parte, mas mirem-se no exemplo vindo do Norte, onde um discente de Direito da Universidade do Minho esfaqueou um professor por discordar de um pormenor curricular. À primeira vista, a navalhada parece-me uma forma de luta suficientemente desagradável para o corpo docente (e para o corpo de cada docente). Se é verdade que o professor em questão levou diversos golpes sem perder a vida nem, a crer nas notícias, o sentido de humor, isso não vos deve desmotivar. Um estudante de Direito encontra-se mais habilitado para o julgamento que para o crime. Um estudante de Medicina não deixará ninguém a rir. E dado que o faquista do Minho foi, para já, mandado em paz, o julgamento afigura-se fácil. Tão fácil quanto enviar o exame por fax, aliás uma terceira solução a considerar.
Sábado, dia 16
O REFUGIADO DO PÂNTANO
António Guterres ambiciona transformar a Europa num "asilo" (sic). À falta de melhor, eis uma utilidade possível. Desde que ultrapassados os obstáculos logísticos. Numa perspectiva optimista, sessenta por cento dos regimes da Terra são ditaduras, sob as quais se arrastam quase quatro mil milhões de desgraçados. Admitindo que dez por cento aspiram à bonança europeia (e admitindo, por omissão, que os outros noventa por cento se afeiçoaram à barbárie), teremos em breve 400 milhões de refugiados às portas, o que praticamente duplicaria a população do continente. Complicado? Para Guterres, célebre pelas noções impressionistas de aritmética, tudo se resolve com "abertura", "integração" e lirismos do género. Não esquecer: os refugiados não são números, são pessoas, uma divisa cujos resultados os portugueses verificaram antes de Guterres, ele mesmo, se refugiar no cargo que brilhantemente desempenha.

O COMANDANTE RONALDO E A PINDERIQUICE NACIONAL

Por : João Miguel Tavares

Um tipo vai ao Modelo comprar beringelas e de repente esbarra no Comandante Ronaldo - um metro e sessenta de cartão barato a olhar para nós. Uma pessoa folheia despreocupadamente uma revistita e pumba, lá parece o Comandante Ronaldo, aparado por duas senhoras com sorriso desmaiado. E pergunta o leitor que apenas devota os seus dias ao estudo da dialéctica hegeliana: mas quem é o Comandante Ronaldo? Bom, o Comandante Ronaldo é a nossa estrela planetária, Cristiano Ronaldo, vestido de piloto de aviação para uma publicidade chunga aos supermercados Modelo e a um livrinho mixuruca chamado Guia das Maravilhas de Portugal.
A contradição de tudo isto é absolutamente fascinante, e mostra o país saloio que insistimos em ser. Imagino que para contratar Cristiano Ronaldo para modelo do Modelo tenha sido preciso encher um camião de libras - coisa que não falta à Sonae. Mas depois de terem na mão o homem do momento o que é que fazem com ele? Uma superprodução à maneira? Um anúncio para ficar na história? Qual quê. Vestem-no com um fato manhoso de comandante das linhas áreas do Burundi bordado a dourado; vão buscar duas modelos ao centro comercial das Olaias para o acolitar (a sombra dos olhos delas combina com o azul-choque do lenço do pescoço, imaginem); e fazem umas montagens em Photoshop com a sofisticação de quem recebeu o primeiro computador há dois dias, das mãos da tia-avó.
Cristiano Ronaldo anda há três anos a esforçar-se para parecer um tipo cool. Curou a acne, endireitou os dentes, ajeitou o penteado. Tem um batalhão de jovens de várias nacionalidades a borboletear à sua volta. Mas depois vem a Portugal ganhar umas massas e decidem vendê-lo ao segmento das donas de casa - e ele, inacreditavelmente, aceita. Lá fora, o homem já foi a cara da Pepe Jeans, que o pôs ao lado da top model Jessica Miller. Lá fora, Cristiano Ronaldo é um ídolo masculino, fotografado em grande estilo para a Vogue americana. Cá dentro... bom, cá dentro é como se de repente retornasse aos tempos do Sporting, quando era um palito habilidoso e o seu jeito para jogar à bola competia com o talento (igualmente grande) para cultivar borbulhas.
Tristemente, o pobre Cristiano veio atrás do cheiro das notas e acabou a segurar o Guia das Maravilhas de Portugal. Na sua insignificância, a transformação em Comandante Ronaldo, promovida por uma cadeia de supermercados, é sintomática da nossa própria pequenez e de um gostinho provinciano que teima em não nos deixar. Guia das Maravilhas de Portugal? O mundo está cheio de ironias... |

06/08/2007

E Deus fez a mulher...

E houve harmonia no paraíso.
O diabo vendo isso, resolveu complicar.
Deus deu a mulher cabelos sedosos e esvoaçantes.
O diabo deu pontas duplas e ressecadas.
Deus deu a mulher um corpo de Barbie.
O diabo inventou a celulite, as estrias e o culote.
Deus deu a mulher músculos perfeitos.
E o diabo os cobriu com lipoglicerídios.
Deus deu a mulher um temperamento dócil.
E o diabo inventou a TPM.
Deus deu a mulher um andar elegante.
O diabo investiu no sapato de salto alto.
Então Deus deu a mulher infinita beleza interior.
E o diabo fez o homem perceber só o lado de fora.
Mas que droga!!! Só pode haver uma explicação para isso:
 
- O diabo só pode ser bicha!!!!!!!!!!!

30/07/2007

Em três anos o Porto somou mais dez mil famílias com rendimento social de inserção

Isto está a saque ou estamos à espera de uma revolução?
A situação parece aflitiva. O número de famílias beneficiárias de rendimento social de inserção (RSI) subiu dez mil em três anos e os requerimentos continuam a entrar a um grande ritmo no Porto: uma média de 1146 desde Janeiro. Há quem tema ver o centro distrital da Segurança Social "afogar-se outra vez" em pendências.

Morreu o realizador Ingmar Bergman

Lamento a morte do grande realizador, que me habituei a apreciar, através da ssuas obras.
"Morreu o realizador sueco Ingmar Bergman, aos 89 anos, anunciou a sua filha, Eva Bergman, à agência sueca TT."

28/07/2007

A MISSA DAS SOMBRAS

ANATOLE FRANCE

Eis o que o sacristão da igreja de Santa Eulalia, em Neuville-d'Aumont, me contou debaixo da latada do Cavalo Branco, numa bela noite de verão, bebendo uma garrafa de velho vinho à saude de um morto muito abastado, que ele havia enterrado honrosamente naquela manhã mesma, sob um tecido cheio de belas lagrimas de prata.
— Meu finado e pobre pai (quem fala é o sacristão) foi, em vida, coveiro. Era de humor agradavel, e isso sem duvida decorria de sua profissão, porque se tem reparado que as pessoas que trabalham nos cemiterios possuem espirito jovial. A morte não os atemoriza absolutamente; jamais se preocupam com ela. Eu, que lhe estou falando, senhor, penetro num cemiterio, à noite, tão serenamente quanto no caramanchão do Cavalo Branco. E se, por acaso, encontro um espectro, não me inquieto absolutamente com isso, porque reflito que ele pode perfeitamente ir cuidar de seus negocios, da mesma forma que eu dos meus. Conheço os habitos dos mortos e seu carater. Sei a tal respeito coisas que os proprios sacerdotes ignoram. E o senhor ficaria surpreso se lhe contasse tudo o que tenho visto. Mas, nem todas as verdades são proprias para serem contadas, e meu pai, que todavia gostava de narrar historias, não revelou a vigesima parte do que sabia. Em compensação, repetia muitas vezes as mesmas narrativas e, ao que eu saiba, relatou bem umas cem vezes a aventura de Catarina Fontaine.
Catarina Fontaine era uma velha senhorita que ele se lembrava de ter visto em criança. Não me surpreenderia se ainda houvesse na região até uns três anciões que ainda se recordem de ter ouvido falar a seu respeito, por que ela era muito conhecida e considerada, embora pobre. Morava na esquina da rua das Freiras, na torrezinha que o senhor ainda pode ver e que depende de um velho palacete meio arruinado, que dá para o jardim das Ursulinas. Há nessa torrezinha figuras e inscrições meio apagadas. O falecido paroco de Santa Eulalia, Levasseur, dizia aí estar escrito em latim que o amor é mais forte que a morte. O que se refere, acrescentava, ao amor divino.
Catarina Fontaine vivia sozinha nessa pequena habitação. Fazia rendas. O senhor sabe que as rendas de nossa região eram antigamente muito afamadas. Não se conheciam parentes ou amigos seus. Dizia-se que amara, aos dezoito anos, o jovem cavaleiro D'Aumont-Cléry, com quem noivara secretamente. Mas as pessoas de bem não queriam acreditar absolutamente nisso e diziam tratar-se de uma historia que fora imaginada porque Catarina Fontaine lembrava mais uma senhora, que uma operaria, conservava sob seus cabelos brancos os vestigios de uma grande beleza, possuia um ar triste e que se lhe podia ver na mão um desses anéis em que o ourives colocou duas mãozinhas unidas e que era costume outrora os noivos trocarem. O senhor saberá, daqui a pouco, o que isso significava.
Catarina Fontaine vivia santamente. Frequentava as igrejas e, todas as manhãs, qualquer que fosse o tempo, ia ouvir a missa de seis horas em Santa Eulalia.
Ora, uma noite de dezembro, quando ela estava deitada em seu pequeno quarto, foi despertada pelo toque dos sinos; certa de estarem eles anunciando a primeira missa, a piedosa senhora vestiu-se e desceu à rua, onde a noite era tão fechada que não se viam absolutamente as casas e que claridade alguma era perceptivel no céu negro. E reinava tamanho silencio nessas trevas - nem mesmo um cão ladrava ao longe - que a pessoa sentia-se completamente separada do mundo dos vivos. Mas Catarina Fontaine, que conhecia cada uma das pedras onde pisava e que podia ir à igreja de olhos fechados, alcançou sem dificuldade a esquina da rua das Freiras com a rua da Paroquia, no ponto onde se ergue a casa de madeira que exibe uma arvore de Jessé, esculpida numa volumosa trave. Tendo alcançado esse local, ela viu que as portas da igreja estavam abertas e que deixavam sair uma grande claridade de cirios. Continuou a caminhar e, tendo entrado, encontrou-se numa grande reunião que enchia a igreja. Ela, porem, não reconhecia nenhum dos presentes e estava surpresa por ver aquelas pessoas trajadas de veludo e de brocado, com plumas no chapéu e trazendo espada, à maneira dos tempos de outrora. Havia senhores que seguravam longas bengalas de castão de ouro e damas com toucados de rendas presos com um pente em diadema. Cavaleiros de S. Luís davam a mão a essas senhoras que escondiam atrás do leque um rosto pintado, do qual só era visivel a tempora empoada e um sinal no canto dos olhos! E todos iam colocar-se em seu lugar sem o menor ruido, e não se ouviam, enquanto andavam, nem o som dos passos no lajedo, nem o roçagar dos tecidos. As naves laterais enchiam-se de multidão de jovens artesãos, de casaco pardo, calções de fustão e meias azuis, que seguravam pela cintura raparigas lindissimas, rosadas, que conservavam os olhos baixos. E, junto às pias de agua benta, camponesas de saia vermelha e corpinho de atar, sentavam-se no chão com a tranquilidade dos animais domesticos, enquanto uns mocetões, de pé atrás delas, arregalavam os olhos rodando o chapéu nos dedos. E todas aquelas fisionomias silenciosas pareciam imobilizadas para sempre, no mesmo pensamento, suave e triste. Ajoelhada em seu lugar costumeiro, Catarina Fontaine viu o sacerdote caminhar, para o altar, precedido por dois acolitos. Não reconheceu nem o sacerdote, nem os ajudantes. Começou a missa. Era uma silenciosa missa na qual não se ouvia absolutamente o som dos labios que se agitavam, nem o rumor da sineta agitada inutilmente. Catarina Fontaine sentia-se sob o olhar e sob a influencia de seu misterioso vizinho e, tendo olhado sem quase volver a cabeça, reconheceu o jovem cavaleiro d'Aumont-Cléry, que a havia amado e que morrera fazia quarenta e cinco anos. Reconheceu-o por um sinalzinho que ele possuia sob a orelha esquerda e, principalmente, pelo sombreado dos longos cilios negros em seu rosto. Vestia o traje de caça, vermelho, com alamares dourados, que ele usava no dia em que, tendo-a encontrado no bosque de São Leonardo, pedira-lhe de beber e roubara-lhe um beijo. Conservava a sua mocidade e seu bom aspecto. Seu sorriso ainda mostrava uma dentadura de jovem lobo. Catarina disse-lhe baixinho:
— Senhor, vós que fostes meu amigo e a quem dei outrora o que uma jovem possui de mais precioso, Deus vos tenha em sua graça! Possa ele me inspirar, finalmente, o pesar pelo pecado que cometi convosco; porque é verdade que, de cabelos brancos e proxima da morte, ainda não me arrependo de vos ter amado. Mas, finado amigo, meu belo senhor, dizei-me quem são essas pessoas trajadas à maneira antiga, que estão assistindo aqui a esta silenciosa missa.
O cavaleiro d'Aumont-Cléry respondeu com uma voz mais debil que um sopro e, não obstante, mais clara que o cristal:
— Catarina, esses homens e essas mulheres são almas do purgatorio que ofenderam a Deus, pecando, a nosso exemplo, pelo amor das criaturas, mas que nem por isso estão desligadas de Deus, porque seu pecado foi, como o nosso, sem maldade. Enquanto separadas daqueles que amavam sobre a terra, elas se purificam no fogo lustral do purgatorio, padecem as dores da ausencia, para eles esse sofrimento é o mais cruel. São tão infelizes que um anjo do céu se apiada de meu martirio de amor. Com o consentimento de Deus, reune, todos os anos, durante uma hora da noite, o amigo à amiga em sua igreja paroquial, onde lhes é permitido assistir à missa das sombras, segurando-se pela mão. Esta é a verdade. Se me foi permitido ver-te aqui, antes de tua morte. Catarina, tal coisa não se realizou sem a permissão de Deus.
E Catarina Fontaine lhe respondeu:
— Bem desejaria morrer para voltar a ser formosa como nos dias, meu finado senhor, em que te dava de beber na floresta.
Enquanto falavam assim, baixinho, um conego muito idoso recolhia as esmolas e apresentava uma grande salva de cobre aos presentes que aí deixavam cair sucessivamente moedas antigas, há muito tempo fora de circulação: escudos de seis libras, florins, ducados e ducadões, jacobos, nobres com a rosa; e as moedas caiam em silencio. Quando a salva de cobre lhe foi apresentada, o cavalheiro depositou um luís que não fez mais ruido que as outras moedas de ouro ou de prata.
Depois o velho conego parou em frente a Catarina Fontaine que procurou em seu bolso, sem nele encontrar, um real. Então, não desejando recusar sua dadiva, tirou do dedo o anel que o cavaleiro lhe dera na vespera de sua morte, e atirou-o na concha de cobre. O anel de ouro, ao cair, ressoou como um pesado badalo de sino e, ao ruido atroador que ele fez, o cavaleiro, o conego, o oficiante, os acolitos, as damas, os cavaleiros, toda a assistencia desapareceu; os cirios se apagaram e Catarina Fontaine ficou sozinha nas trevas.
Tendo concluido assim sua narrativa o sacristão bebeu um grande copo de vinho, ficou um instante a meditar e depois prosseguiu nestes termos:
— Contei-lhe esta historia exatamente como a ouvi muitas vezes de meu pai e creio que é verdadeira porque corresponde a tudo o que tenho observado das maneiras e dos costumes peculiares aos defuntos.
Convivi muito com os mortos desde minha infancia e sei que eles costumam voltar a seus amores.
É por isso que os mortos avarentos vagam, à noite, nas proximidades dos tesouros que eles esconderam durante sua vida. Montam boa guarda à volta de seu ouro; mas os cuidados que eles tomam, longe de lhes servirem, prejudicam-nos e não é raro descobrir-se dinheiro enterrado na terra, pesquisando-se o sitio frequentado por um fantasma. Da mesma forma, os finados maridos vem atormentar à noite suas mulheres casadas, em segundas nupcias, e eu poderia indicar muitos que vigiaram melhor suas esposas depois de mortos do que o haviam feito em vida.
Esses são dignos de censura, porque, em boa justiça, os defuntos não deveriam ser ciumentos. Mas lhe estou contando o que tenho observado. Por isso é que se deve ter cuidado quando se desposa uma viuva. Aliás, a historia que lhe relatei tem sua comprovação no seguinte fato:
Na manhã seguinte a essa noite extraordinaria, Catarina Fontaine foi encontrada morta em seu quarto. E o suiço de Santa Eulalia encontrou na salva de cobre que servia para o peditorio, um anel de ouro com duas mãos juntas. Aliás, não sou homem que conte historias para fazer rir. E se pedissemos outra garrafa de vinho?

Anatole François Thibault, literariamente conhecido por Anatole France, nasceu em 1844 e faleceu em 1924. Um dos mais notaveis escritores franceses dos tempos modernos, é autor de grande numero de livros que são hoje considerados autenticas obras-primas, tanto pela sua fina ironia e riqueza de temas, como pela incomparavel elegancia do estilo. Iniciou-se nas letras em 1873, com o volume de versos "Poemas Dourados", a que se seguiu o volume, tambem de poesias, "Nupcias Corintias". Depois, nunca mais escreveu senão em prosa, contando-se por dezenas os volumes com que enriqueceu a literatura de seu país e do mundo. Destacam-se, de suas obras, as seguintes: "O Crime de Silvestre Bonnard", "Thais", "O Lirio Vermelho", "A Ilha dos Pinguins", "O Anel de Ametista", "O Manequim de Vime", "O sr. Bergeret em Paris", "As Sete Mulheres de Barba Azul", "Historia Contemporanea" e outras.

26/07/2007

Os ataques de coração e beber água tépida...

** Os Chineses e os Japoneses bebem chá quente com as suas refeições...não água gelada... talvez seja tempo de adoptarmos os hábitos de bebida deles enquanto comem!!!
** Para aqueles que gostam de beber água gelada , este artigo aplica-se a vós. Sabe bem, beber um copo de água gelada depois de uma refeição.
Contudo, a água gelada vai fazer solidificar as componentes oleosas do que acabaste de comer, isso vai retardar a digestão. Uma vez que esse "gelo"
reaja com o ácido, quebra-se e será absorvido pelo intestino mais depressa do que os alimentos sólidos. Vai demarcar o intestino. Isto irá em pouco tempo conduzir a gordura e a cancro. É melhor tomar uma sopa quente ou água tépida depois de uma refeição.
** Uma nota importante sobre os ataques de coração: deves saber que nem todos os sintomas de ataque de coração serão uma dor no braço esquerdo.
Fica atento a uma dor intensa na queixada.
** Poderás nunca sentir a primeira dor no peito no decurso de um ataque de coração. Náuseas e suores intensos são também sintomas comuns. 60% das pessoas que tiveram um ataque de coração enquanto dormiram já não se levantaram. A dor no peito , pode acordar-te de um sono profundo. Vamos ser cuidadosos e estar atentos.
 

19/07/2007

COMUNICADO - A todos os Funcionários Públicos com relação às faltas.

PROCEDIMENTOS ADOPTADOS A PARTIR DE HOJE.

DOENÇA: Estar doente não é desculpa para não vir trabalhar. Nem um atestado médico é uma garantia de estar doente, pois se estava em condições de visitar um médico também podia ter vindo trabalhar.

MORTE NA FAMÍLIA: Não tem desculpa. Não visitou quando estava vivo. Pelo morto não pode fazer mais nada, e os preparativos para o enterro podem ser feitos por outra pessoa. Se conseguir marcar o enterro para o fim da tarde, a empresa deixa-o, de boa vontade, sair meia hora mais cedo (isto se o trabalho estiver pronto...).

BODAS DE PRATA/OURO: Para uma festa deste tipo não damos dias livres. Se estiver casado há 25 ou 50 anos com a mesma pessoa, fique feliz em poder vir trabalhar.

NASCIMENTO DE UM FILHO: Por um erro desse tamanho não damos dias livres aos nossos trabalhadores (o erro foi seu). E, além disso, você já teve o seu divertimento.

ANIVERSÁRIO: O facto de ter nascido não quer dizer que o tenha merecido. Por isso não damos o dia!

CIRURGIAS: Cirurgias nos nossos funcionários são proibidas, pois nós contratámo-los como eles eram. A extracção ou substituição de órgãos é contra o contrato de trabalho.

MORTE PRÓPRIA: Aqui pode contar com a nossa compreensão, se:
1 - informar duas semanas antes do acontecimento, para arranjarmos outra pessoa que faça o seu trabalho;
2 - enviar um atestado com a sua assinatura e a do médico relatando a causa da morte (senão serão descontados dias de férias);
3 - telefonar até ás 8 horas da manhã para dizer que morreu de noite.