Arnaldo Jabor Publicado em 18 de maio de 2004 Versão impressa
Nos últimos dias, só houve dois assuntos nesse bendito paÃs: a gafe do Lula como jornalista e o bumbum de Juliana Paes na "Playboy". Prefiro o bumbum de Juliana. Ia escrever sobre a babaquice do Lula, mas creio que o outro assunto é mais palpável" do que esse governo especializado em alternar lentÃssimas indecisões com arroubos ridÃculos, assembleÃsmos leninistas com gestos bruscos que, em geral, têm de ser consertados depois. Mas não adianta repetir o óbvio para surdos. Vamos ao que interessa: o bumbum era esperado como um messias redentor, aguardado como a salvação do paÃs neste momento sem graça. PolÃticos, bancários, eu, todos ansiávamos por esse bumbum como por um Maomé", um profeta. O que poderianos revelar esse bumbum? Corri para as bancas e comprei a "Playboy" sob o olhar debochado do jornaleiro que me reconheceu e perguntou se eu não ia levar o "The Economist também. "Claro, claro...", respondi, vermelho. Chego em casa, rasgo a capa de plástico com as mãos trêmulas, abro com uma sensação de pecado e esperança, e vejo Juliana Paes em seu esplendor. Folheio a revista e caio numa perplexidade muda. Antes de continuar, devo dizer que já escrevi sobre o bumbum da Feiticeira, o bumbum da Tiraniza e continuo sem uma palavra apropriada. Não há na lÃngua portuguesa um termo corrente para essa parte do corpo. A palavra "bunda" tem uma conotação pejorativa, um substantivo já adjetivado de saÃda. Há eufemismos como "traseiro" ou metonÃmias como "nádegas", "glúteos" etc... Portanto, "bunda" é apalavra certa. Muito bem; com todo o respeito, a bunda de Juliana me deixou aparvalhado. Não sei se esperava muito; só sei que fui tomado por uma funda decepção. Não sobre a beleza da bunda, pois é muito bonita, sim, mas pelocho que de realidade que me trouxe. Afinal, verificamos que era apenas uma bunda e não um enviado de Deus, era apenas uma moça que nos parece gentil, romântica bondosa como uma babá, mostrando o bumbum como um bebê recém-nascido. Ela sorri, parecendo dizer: "É só isso o que vocês queriam? Ora... pois aqui está minha bundinha..." Olhei o bumbum de Juliana por todos os ângulos, e nada aconteceu, sexual e filosoficamente. Confesso, Juliana, com todo o respeito, queima gineicenas eróticas comigo mesmo, com outros e nada senti. .Pensei" Estou decadente, ou as uvas estão verdes..." Mas, não, não era isso. Bateu-me mesmo uma certa tristeza, de ver aquela moça ali, satisfazendo nosso desejo bruto e invasivo, esse povo de onanistas e sodomitas sempre desejando a mulher por trás. Senti um vazio ao ver um segredo revelado, estragando com sua nudez meridiana a glória da moça da novela. Algo como água fria num sucesso, algo como a traição contra Zeca Pagodinho, no auge de sua ascensão. O mercado estraga o prazer, programando-o. Toda a beleza do mito é justamente seu mistério inacessÃvel, seu enigma não decifrado. Juliana da novela não é só sua bunda. Ela é a doce ingênua do subúrbio, a moça generosa, dadeira, mas honesta, com seu rosto redondo de brasileira, com largos quadris de boa mãe leiteira. Sua nudez não tem a norma perversa das playmates tÃpicas. Falta-lhe a crua perversão das outras, gatas ferozes prometendo sexo selvagem. Não. Juliana tenta rostos sacanas, mas só passa uma doçura incontrolável, faltando-lhe a catadura zangada das punas ou sadomasoquistas. DaÃ, me bateu a verdade inapelável e cruel: a bunda não existe. Só existe a idéia" de bunda, o conceito platônico de bunda. Isso. No caso de Juliana, o bumbum real destrói o bumbum imaginário. Sempre sonhamos com aquele bumbum adivinhado sob os vestidos na novela e ele tinha a multidimensão rica de uma metáfora. Ele era todos os bumbuns, ele era uma promessa de vida em nossos corações. Mas, diante do bumbum real, a vida perdeu o mistério, tudo se aquietou na paz da anatomia óbvia. O bumbum deixou de ser uma utopia e só restou o bumbum possÃvel. Vemos, com clareza e realismo, que virou um bumbum mortal, sem transcendência, que é apenas um bom bumbum brasileiro, que um dia cairá, como o PT. Por isso, me pergunto por que a bunda é nosso sÃmbolo? Para os anglo-saxões são os seios, leiteiros, alimentÃcios. O bumbum para nós, ibéricos, é menos inquietante que a vagina; essa nos lembra fecundidade, essa nos coloca diante da responsabilidade da criação da vida, e até dos perigos da devoração pela fêmea dentada e potente. A vagina é um pénis embutido; a vagina é o "outro" e merece respeito. Já o bumbum, por infecundo, a reboque do corpo, tem uma imagem mais propÃcia para sacanagens sem perigo, além de ser uma herança do homossexualismo deslocado dos senhores portugueses diante da negras zulus nas senzalas. Por isso, afirmo que o bumbum de Juliana, por mais caras perversas que ela faça na revista, é uma bundaromântica, familiar. O rosto maternal de Juliana prejudica o desempenho de seu bumbum. No caso de Tiazinha ou da Feiticeira, a bunda tinha vida própria. Era mais importante que as donas. Muitas mulheres de bonitas bundas chegam ater ciúmes de si mesmas e têm uma atitude envergonhada de suas formas calipÃgias. A mulher de bunda bonita caminha como se fossem duas: ela e sua bunda. Uma fala e ninguém ouve; a outra cala e todos olham. A mulher de bunda bonita não tem sossego; está sempre autoconsciente do tesouro que reboca. A mulher de bunda bonita mesmo de frente está sempre de costas. A mulher de bunda bonita vive angustiada: quem é amada? Ela ou sua bunda? Algumas bundas até parecem ter pena de suas donas e quase Dizem "Olhem para ela também, ouçam suas opiniões, sentimentos... Ela também é legal..."Mas a verdade é econômica. A bunda hoje no Brasil é um ativo. Centenas, milhares de moças bonitas usam-na como um emprego informal, um instrumento e ascensão social. A globalização da economia está nos deixando sem calças. Sobrou-nos a bunda... nosso único capital.
19/07/2004
Meditações diante do bumbum de Juliana
Colocado por Anónimo na segunda-feira, julho 19, 2004
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