28/07/2008

Lá pagaram aos 'malditos camionistas'

Vindo do nada, sem estar enquadrado, um grupo de pessoas determinadas quase conseguiu paralisar o país. Quem quiser um retrato fiel da crise política e de valores em que vivemos, aqui o tem.

As razões dos camionistas (ou proprietários de camionetas, uma vez que se tratou de um "lock out" e não de uma greve) são compreensíveis. A subida dos combustíveis deixa-os numa situação complicada. Mas a questão essencial coloca-se da seguinte forma: quem deve pagar por isso, eles que têm o negócio, ou todos nós, através dos nossos impostos?

A resposta dos camionistas é simples: devemos todos pagar os prejuízos do seu negócio.

Podemos discordar, é certo. Mas, nesse caso, os camionistas têm outra resposta simples, que aliás puseram em prática: se não pagarem, paramos o país.

Foi perante este dilema que o Governo foi colocado.

E o Governo, acabou por ceder. A palavra ceder não é escrita com acrimónia ou desconfiança. Na realidade, este Governo (ou outro) dificilmente poderia proceder de modo diferente, porque o país não podia parar.

Neste conflito, infelizmente, os princípios gerais não tinham hipótese de prevalecer sobre interesses particulares. Porque, caso os princípios prevalecessem, os camionistas não deviam levar um tostão nem que andássemos todos a pé e fôssemos obrigados a jantar à luz das velas (caso não estivessem esgotadas).

Teoricamente o Estado deveria ter sido implacável. Primeiro, porque o "lock out" é constitucionalmente proibido (artº 57º). Em segundo lugar, porque o prejuízo dos camionistas não deveria ser distribuído por todos os portugueses (o que vai acontecer); aliás, estes já são fortemente prejudicados pelo aumento dos preços e pelas elevadas taxas de juro na habitação. Em terceiro lugar, porque a liberdade de circulação de pessoas e bens deveria ter sido assegurada, ainda que com repressão, pelas forças da ordem.

Mas tinha o Estado força e capacidade para aguentar a pressão? Era isso que os cidadãos queriam? Ou, ao fim e ao cabo, todos nós preferimos que pagassem a esses 'malditos camionistas' para que tenhamos de novo combustíveis nas bombas?

Creio - infelizmente - que esta é a resposta honesta que a maioria dá a si mesmo. Por isso, indignarmo-nos com a cedência do Governo pode ser simples figura de estilo.

Pessoalmente, no entanto, penso que a prudência nos deveria ter aconselhado à resistência. Assim, ficaremos um dia, de novo, nas mãos de um qualquer pequeno grupo.

 

Henrique Monteiro

 

 

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