08/08/2007

O COMANDANTE RONALDO E A PINDERIQUICE NACIONAL

Por : João Miguel Tavares

Um tipo vai ao Modelo comprar beringelas e de repente esbarra no Comandante Ronaldo - um metro e sessenta de cartão barato a olhar para nós. Uma pessoa folheia despreocupadamente uma revistita e pumba, lá parece o Comandante Ronaldo, aparado por duas senhoras com sorriso desmaiado. E pergunta o leitor que apenas devota os seus dias ao estudo da dialéctica hegeliana: mas quem é o Comandante Ronaldo? Bom, o Comandante Ronaldo é a nossa estrela planetária, Cristiano Ronaldo, vestido de piloto de aviação para uma publicidade chunga aos supermercados Modelo e a um livrinho mixuruca chamado Guia das Maravilhas de Portugal.
A contradição de tudo isto é absolutamente fascinante, e mostra o país saloio que insistimos em ser. Imagino que para contratar Cristiano Ronaldo para modelo do Modelo tenha sido preciso encher um camião de libras - coisa que não falta à Sonae. Mas depois de terem na mão o homem do momento o que é que fazem com ele? Uma superprodução à maneira? Um anúncio para ficar na história? Qual quê. Vestem-no com um fato manhoso de comandante das linhas áreas do Burundi bordado a dourado; vão buscar duas modelos ao centro comercial das Olaias para o acolitar (a sombra dos olhos delas combina com o azul-choque do lenço do pescoço, imaginem); e fazem umas montagens em Photoshop com a sofisticação de quem recebeu o primeiro computador há dois dias, das mãos da tia-avó.
Cristiano Ronaldo anda há três anos a esforçar-se para parecer um tipo cool. Curou a acne, endireitou os dentes, ajeitou o penteado. Tem um batalhão de jovens de várias nacionalidades a borboletear à sua volta. Mas depois vem a Portugal ganhar umas massas e decidem vendê-lo ao segmento das donas de casa - e ele, inacreditavelmente, aceita. Lá fora, o homem já foi a cara da Pepe Jeans, que o pôs ao lado da top model Jessica Miller. Lá fora, Cristiano Ronaldo é um ídolo masculino, fotografado em grande estilo para a Vogue americana. Cá dentro... bom, cá dentro é como se de repente retornasse aos tempos do Sporting, quando era um palito habilidoso e o seu jeito para jogar à bola competia com o talento (igualmente grande) para cultivar borbulhas.
Tristemente, o pobre Cristiano veio atrás do cheiro das notas e acabou a segurar o Guia das Maravilhas de Portugal. Na sua insignificância, a transformação em Comandante Ronaldo, promovida por uma cadeia de supermercados, é sintomática da nossa própria pequenez e de um gostinho provinciano que teima em não nos deixar. Guia das Maravilhas de Portugal? O mundo está cheio de ironias... |

Sem comentários: