20/08/2005

A corda na garganta

Bom artigo no Diario Economico
por: Pedro Marques Pereira

Portugal tem uma irreprimível paixão por automóveis. Com a ajuda dos ‘leasings’, ALDs, ‘rentings’ e outros sinónimos do compre agora e pague depois, o parque automóvel nacional dá quilómetros de avanço ao de muitos dos países mais ricos da Europa. O próprio Governo, nos planos contabilísticos que envia para Bruxelas, não resiste a dizer aos parceiros europeus que, enquanto as suas economias vão crescer à base dos serviços, a nossa vai acelerar num descapotável, novinho em folha, que a Volkswagen há um dia de produzir em Palmela. O ‘cluster’ automóvel tem muito mais pinta do que as roupas e os sapatos – ou, para ser mais exacto, o têxtil e o calçado. Terá mais futuro?As notícias que vão chegando mostram que nem por isso. Os grandes construtores europeus e norte-americanos estão em crise, ameaçados pelos rivais coreanos, japoneses e sim, também os chineses já começam a bater à porta da fortaleza Europa. As fábricas de componentes que se instalaram à sombra da Autoeuropa, também elas multinacionais que vivem das encomendas dos grandes construtores ocidentais, levam por tabela.Na edição de hoje fala-se do possível encerramento da Delphi, que tem seis fábricas e emprega cinco mil trabalhadores em Portugal. Este é apenas mais um exemplo de uma lista já longa de empresas que, supostamente, iriam constituir o cerne do nosso dinâmico ‘cluster’ automóvel e que, paulatinamente, vão reduzindo a produção, o número de trabalhadores, e o tempo de vida até ao fecho de portas. Yazaki Saltano, Lear e Visteon são nomes que se tornaram mais conhecidos em Portugal com o agudizar da crise no sector.Na escala dos custos e do valor, Portugal está a meio caminho entre o primeiro e o terceiro mundo. Neste inóspito limbo, o único modelo de negócio possível é ir agarrando as indústrias que os mais ricos vão deixando cair, com destino traçado para os países eternamente em vias de desenvolvimento. Podemos perfeitamente aguentar-nos por aqui, saltando alegremente de ‘cluster’ em ‘cluster’, com o inconveniente de, a cada 15 ou 20 anos, nos encontrarmos em becos semelhantes áquele de onde agora tentamos desesperadamente sair.Com sorte, poderemos competir por mais um modelo da Volkswagen, talvez ainda outro da Opel. Tudo o mais é pura ilusão. Dentro de 10 anos, o ‘cluster’ automóvel estará com a corda na garganta. A mesma corda que hoje sufoca os têxteis e o calçado.

pmpereira@economicasgps.com

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