20/03/2008

O dinheiro compra tudo?

Há coisas que todos sabemos mas às quais alguns de nós - quero crer que muitos de nós - não se habituam. Uma delas é que a Universidade nem sempre é uma fonte de conhecimento e liberdade.Entendo que um Governo, quando promove uma cimeira, com a importância desta entre a UE e os países de África, se veja na contingência de ter de receber muita gente indesejável - incluindo o senhor Mugabe, vários outros senhores tão maus ou piores do que Mugabe, e também o ditador das tendas e terrorista intermitente, o sempre divertido e inesperado Kadhafi.Mas já não percebo bem a pertinência de uma Universidade - com o prestígio e a história da Universidade de Lisboa - convidar Khadafi para orador de uma conferência sobre 'Problemas da Sociedade Contemporânea'. A menos que os promotores tenham da educação a mesma ideia que o reitor da Universidade de Columbia quando insultou o Presidente do Irão, Ahmadinejad, depois de o ter recebido.Um dos problemas da sociedade contemporânea (de que nem Kadhafi nem os promotores falarão) é esta falta de vergonha que faz com que - a troco de qualquer coisa, e muitas vezes de nada -, se equipare tudo na vida. As Universidades tanto ouvem cientistas, investigadores ou criadores de mérito, como assassinos, ditadores e terroristas. Pensarão que isso corresponde a sinais de tolerância e modernidade, mas infelizmente o que revelam é apenas cobardia política, falta de senso e subserviência em relação a personagens que nem dimensão intelectual nem obra têm (se exceptuarmos o ridículo 'Livro Verde' que o coronel Kadhafi distribuiu por todo o mundo).Do mesmo modo, pelo menos três jornais com prestígio e influência em Portugal ('Público', 'DN' e 'JN') publicaram anúncios sobre Kadhafi (o Expresso recusou-o). E o que diz tal anúncio? Contesta a proibição do fabrico e utilização de minas terrestres e apelida de ilegal o Tribunal Penal Internacional por ter sido criado pelo Conselho de Segurança da ONU, que considera uma autoridade de "legalidade duvidosa".É revoltante que o dinheiro mande desta forma. E que jornais que se insurgem contra os ditadores (e por vezes contra o Governo por os receber) aceitem ser veículos da sua propaganda (ainda que paga). Com imprensa e Universidades assim não vamos longe.

Henrique Monteiro no Expresso

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