02/10/2005

A maioria dos funcionários públicos começa a compreender que a situação actual não é sustentável.

São normais, e muitas vezes compreensíveis, as contestações que se têm verificado provenientes de diversos grupos profissionais da função pública em relação às medidas tomadas pelo Governo, promovidas e coordenadas por sindicatos que se assumem como seus representantes.Mas de facto o Governo não tem muitas alternativas às medidas que tem tomado e que visam introduzir uma maior racionalidade económica e justiça relativa na nossa Despesa Pública e Modelo Social.O Governo, aliás, merece o apoio da maioria dos cidadãos nesta matéria. Estes esperam que o Governo seja o representante do interesse geral e que a partir duma estratégia global para a reforma da Administração e Despesa Pública, seja capaz de a concretizar eficazmente e sem tibiezas.É ainda do interesse dos cidadãos em geral, e dos funcionários públicos em particular, que as medidas em curso não se revelem avulsas e sejam enquadradas numa verdadeira mudança do papel do Estado e duma transformação do seu funcionamento, que seja claramente explicada.Os principais vectores estruturais dessa transformação, e merecedores na sua discussão e implementação da participação dos funcionários públicos, são os seguintes:– A procura duma verdadeira profissionalização da Administração Publica, desde logo a partir dos quadros do topo.– A introdução de metodologias de planeamento plurianual e de gestão por objectivos com a identificação de responsáveis concretos e assentando em indicadores de desempenho visando não só uma maior eficiência económica e financeira, mas também uma maior qualidade dos serviços públicos.– A utilização de metodologias de ‘benchmarking’ interno e internacional, de partilha das melhores práticas e a criação de saudáveis condições de concorrência interna, dentro da própria Administração Pública.– A capacidade de subcontratar a privados serviços públicos, garantindo a respectiva regulação e fiscalização.– A descentralização e delegação de actividades, com a correspondente revisão de processos e reorganização, estimulando-se a autonomia, participação e o espírito empreendedor dos funcionários. Tal não deverá pôr em causa a necessária centralização e uniformização dos serviços de suporte de toda a Administração Pública.– Um programa integrado e socialmente equilibrado visando a migração dos funcionários excedentários para a sociedade civil.– A avaliação de mérito e responsabilização dos funcionários e a existência de planos de formação e desenvolvimento, bem como de sucessão.– Uma política salarial e de benefícios competitiva, equilibrada e sustentável.A mediatização e a actuação dos sindicatos têm-se focado quase exclusivamente neste último vector, dos salários e benefícios, descurando todos os outros, precisamente aqueles que poderão vir a trazer um maior prestígio à função pública e uma maior valorização dos seus colaboradores.Mas também nesta matéria da compensação e benefícios o interesse colectivo tem que se sobrepor ao particular que com ele tem que se compatibilizar.Os cidadãos querem que no Estado existam funcionários públicos bem preparados e motivados, com remunerações e benefícios competitivos mas também que sejam responsabilizados pela qualidade do seu desempenho.Os cidadãos não estão naturalmente dispostos a suportar custos de salários e benefícios excessivos, acima dos praticados no mercado de trabalho. Não aceitam a teoria dos direitos adquiridos sempre que se pretenda perpetuar condições preferenciais não justificáveis resultantes muitas vezes de interesses políticos conjunturais ou dum poder negocial desproporcionado de determinadas corporações.Para cada função específica da função pública e nível de responsabilidade respectivo devem corresponder benefícios e condições salariais equivalentes aos verificados na área privada, que deverá constituir, sempre que possível, a referência fundamental pois é nela que a formação dos preços do factor trabalho é mais transparente.A maioria dos funcionários começa a compreender que a situação actual não é sustentável, que as suas condições têm que ser equilibradas com as do normal mercado de trabalho, devendo uma maior atenção passar a incidir sobre os outros vectores estruturais de funcionamento e de valorização da Administração Pública.Cabe ao Governo assumir-se publicamente como representante dos interesses dos cidadãos, não pactuar com excessos e demagogias, e com coragem prosseguir o caminho duma verdadeira reforma do Estado e da sua Administração Pública.


António Carrapatoso

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