31/03/2006

CARTA AOS AMIGOS

Excelente texto de : Everardo Moreira Lima

Conversávamos, meu filho e eu, sobre essa estranha sensação de que o tempo passa mais depressa à medida que se envelhece. Ponderei que talvez para o muito idoso, o valetudinário, o doente acamado, o preso, enfim para aquele que se encontre sem referenciais não fosse bem assim. A primeira vez que li alguma coisa sobre esse tema foi no livro "O homem, esse desconhecido", de Alexis Carrel, onde esse cientista francês fez a distinção entre "tempo biológico" e "tempo cronológico". Heidegger, Einstein e Norbert Elias, todos alemães, escreveram sobre o tempo, a partir de suas especialidades: filosofia, física e sociologia.
O tempo não é um objeto, você não vê, não cheira, não saboreia, não toca, não ouve o tempo; entretanto, diz que ele passa. Na verdade, nós é que passamos, nós é que nos transformamos. Aliás, como aprendemos na escola, no universo nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. O volume e o peso deste planeta não se alteram com a morte de milhões de dinossauros ou com a fabricação de milhões de automóveis. Ocorreram apenas transformações. A transformação pode durar séculos ou segundos, conforme a natureza do elemento transformado: um cubo de gelo ou um copo de plástico. Sabiamente, a Bíblia sentencia: lembra-te de que és pó e ao pó retornarás. Todavia, antes do pó, que é matéria, vem o movimento, a energia, o sopro, o Verbo (com maiúscula ou com minúscula?), a causa. Mas, haverá uma causa do universo eterno e sem fim?
O tempo é, portanto, conceitual; é meio de orientação criado e aprimorado pelo homem a partir da observação de processos físicos, repetitivos, seqüenciais como o movimento das marés, o dia e a noite, resultante, como supunham equivocadamente os antigos, do movimento do sol em volta da Terra.
Assim, a regularidade desses processos naturais, seqüenciais, repetitivos, levou o homem a tomá-los como padrões de comparação ao seu próprio ciclo biológico e a inventar estas duas coisas maravilhosas: o calendário e o relógio, instrumentos esses que vêm se aperfeiçoando dia a dia, a princípio com os recursos matemáticos e geográficos, como o fuso horário, e mais tarde, com o avanço da ciência e da tecnologia, no coercitivo controle do tempo para toda a humanidade.
Não é o tempo que passa, nós é que passamos. O avião que se desloca no espaço, o cavalo que corre na pista, o velho que dorme, todos estão em movimento, em transformação. Um dia voltarão ao pó, à terra, onde germina o grão que vira pão, alimenta o homem e nele de novo se transforma (Gilberto Gil).
À proporção que as populações foram ocupando o planeta, se urbanizando, passaram paulatinamente a substituir os meios naturais de medição do tempo, como os movimentos da lua, a sucessão das estações ou o ritmo das marés, por dispositivos artificiais, símbolos, pelos homens criados para essa finalidade.
Havia entre os antigos a tendência de personificar abstrações, à ação justa correspondia a idéia de justiça, que era personificada entre os gregos pela deusa TEMIS. Nós também somos levados por invencível vocação linguística a substantivar ou coisificar ações ou acontecimentos. Dizemos "o vento sopra", "o rio corre", como se houvesse um vento que não soprasse e um rio que não corresse. Newton via o tempo como um fluxo objetivo, algo assim como os rios e as montanhas, obra da natureza. Foi Einstein quem afirmou ser o tempo apenas uma forma de relação.
Não é o tempo que passa, nós é que passamos, envelhecemos, nos transformamos. Mas não desesperem, pois voltaremos, sob a forma de um gato, de uma rã, talvez pau, talvez pedra, ou rio ou vento, ou daquela pluma que flutua no ar em Forest Gump, quem sabe? Mas certamente voltaremos: somos imortais.

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