13/12/2005

Horacio e Maria Helena

- Vai, Horácio. Toma logo.!!!

- Eu não tomo nada sem antes ler a bula.

Cadê meus óculos?

- Pendurados no seu pescoço.

- Isso é ridículo, Maria Helena. Ridículo.

- Então todos os homens da sua idade são ridículos. Porque todos estão tomando. E não me puxa esse lençol, fazendo o favor. Olha aí o bololô que você me faz nas cobertas.

- A humanidade conseguiu crescer e se multiplicar durante milênios sem isso.
Nós dois crescemos e nos multiplicamos sem isso. Taí o Pedro Paulo, taí o Zé Augusto que não me deixam mentir.
Fora aquele aborto que você fez.

- Horácio, eu não vou discutir isso com você agora. Toma logo esse negócio.

- Isso aqui faz mal pro coração, sabia?

Um monte de gente já morreu tentando dar uma trepadinha farmacêutica.

- Foi por uma boa causa.
E não faz mal coisa nenhuma.
Só pra quem é cardíaco e toma remédio.
Você não é cardíaco.
Nem coração você tem mais.

- Não começa, Maria Helena, não começa.

- Pode ficar sossegado que você não vai morrer do coração por causa dessa pilulinha.
Eu vi num programa do GNT um velhinho de 92 anos que toma isso todo dia.

- Sério?

- Preciso de sexo, Horácio.

- Mas hoje é segunda, Maria Helena...

- Quero trepar. Foder. Ser comida por um macho de pau duro.

- Francamente, Maria Helena, que boca. Parece que saiu da zona.

- Quero ser penetrada, quero gozar.

-O sexo é uma ditadura, Maria Helena.

A gente tá na idade de se livrar dela.

- Saudades da dita dura. Olha só, você me fez fazer um
trocadilho de merda.

- Além do mais, Maria Helena, nós já tivemos um número mais do que suficiente de relações sexuais na vida, por qualquer padrão de referência, nacional ou estrangeiro. A quantidade de esperma que eu já gastei nesses anos todos com você dava pra encher a piscina aqui do prédio.

- Com o esperma que você ordenhou manualmente, talvez. O que o senhor gastou comigo não daria nem pra encher o bidê aqui de casa. Um penico, talvez. Até a metade.

- Maria Helenaaaa.........

- E faz quase um ano que não pinga uma gota lá dentro!

- Sossega o facho, mulher. Vai fazer ioga, tai chi chuan. Já ouviu falar em feng shui, bonsai, shiatsu? Arranja um cachorro. Quer um cachorro? Um salsichinha?

- Quero um salsichão, Horácio.

Olha aí: outra piadinha infame.

- É porque você está com idéia fixa nessa porcaria.

- Que porcaria?

- O sexo, Maria Helena, o sexo.

- Sabe o que mais que deu naquele programa sobre sexo, Horácio?

- Não estou interessado.

- Deu que as mulheres com vida sexual ativa têm muito menos chance de ter câncer. É científico.

- Come brócolis que é a mesma coisa, Maria Helena. Protege contra tudo que é câncer. Também é científico, sabia? E puxado no azeite, com alho, fica uma delícia.

- A que ponto chegamos, Horácio. Eu falando de sexo e você me vem com brócolis puxado no azeite!

- Com alho.

- Faça-me o favor, Horácio!

- Maria Helena, escuta aqui, você já tem 50 anos, minha filha,dois filhos adultos, já tirou um ovário, já...

- Não fiz 50 ainda. Não vem não. E o que é que filho e ovário têm a ver com sexo?

- Maria Helena, me escuta. Depois de uma certa idade as mulheres não precisam mais de sexo.

- Ah, não? Quem decidiu isso?

- Sexo nessa idade é pras imaturas. Pras deslumbradas, pras iludidas que não sabem envelhecer com dignidade.

- Prefiro envelhecer com orgasmos.

- O que é que o Freud não diria de você, Maria Helena.

- E de você, então, Horácio? No mínimo, que você virou gay depois de velho. Boiola.

- Maria Helena! Faça-me o favor.

Eu tenho que ouvir isso na minha própria casa, na minha própria cama, diante da minha própria televisão?

- Aliás, gay gosta de trepar. É o que eles mais gostam de fazer.Você virou outra coisa, sei lá o quê. Um pingüim de geladeira, talvez.

- Maria Helena, dá um tempo, tá? Tenho mais o que fazer.

- Fazer? Essa é boa. O que é que um funcionário público
aposentado com salário integral tem pra fazer na vida, posso saber?

- Sem comentários, Maria Helena, sem comentários.

- Tá bom, sem comentários. Bota os óculos e lê duma vez essa bendita bula.

- Só que precisa de dois óculos pra ler isso. Olha só o
tamanhico da letra. Se é um negócio pra velho, deviam botar uma letra bem grande. Pelo menos isso.

- Vira o foco do abajur para cá... assim... melhorou?

Abaixa essa televisão também. Não consigo me concentrar ouvindo novela. Mais. Mais um pouco.

- Pronto, patrãozinho. Sem som. Vai, lê duma vez.

- O princípio ativo do medicamento é o citrato de sildenafil.

-Sei.

- Veículos excipientes: celulose microcristalina...

- Celulose vem da madeira. Pau, portanto. Bom sinal.

- Onde foi parar a sua pouca educação, Maria Helena?

- Vai lendo, Horácio. Depois conversamos sobre a minha pouca educação.

- Cros... camelose sádica. Croscamelose. Castrepa, Maria Helena.Recuso-me a tomar um troço com esse nome. Deve ser alguma secreção de camelo. Se não for coisa pior.

- Não é camelose. Num tá vendo aí?

É caRmelose. Deve ser algum adoçante artificial. Pro seu pau ficar doce, meu bem.

- Putz. Só rindo mesmo. A menopausa acabou com a sua lucidez,Maria Helena.

- Troco toda a lucidez do mundo por um pau tinindo de tesão por mim.

- Absurdo, absurdo.

- Que mais, que mais, Horácio?

- Dióxido de titânio.

- Ah, titânio. Pro negócio ficar bem duro.

- índigo carmim...

- índigo? Deve ser o que dá o azul da pilulinha.

- Será que esse negócio não vai deixar o meu pau azul, Maria Helena?

- E daí, se deixar? Você não sai por aí exibindo o seu pênis,que eu saiba. Ou sai?

- Mas, e se eu for a um mictório público? o que é que o cara ao lado não vai pensar do meu pinto azul?

- Diz que você é um alienígena, ora bolas. Que o seu corpo está pouco a pouco se adaptando à Terra, que ainda faltam alguns detalhes. Ou explica que você é um nobre, de sangue e pinto azul. Ou não diz nada, ora bolas. Acaba de mijar, guarda o pinto azul e vai embora, pô.

- Escuta. Agora vem a parte que explica como esse petardo funciona.

- Isso. Quero ver esse petardo funcionando direitinho.

- Presta atenção. "O óxido nítrico, responsável pela ereção do pênis, ativa a enzima guanilato ciclase, que, por sua vez, induz um aumento dos níveis de monofosfato de guanosina cíclico, produzindo um relaxamento da
musculatura lisa dos corpos cavernosos do pênis e permitindo assim o influxo de sangue:' Cacete. Corpos cavernosos. Já pensou, Maria Helena? Corpos cavernosos sendo inundados de sangue? Puro Zé do Caixão.

- Corpo cavernoso só pode ser herança do homem das cavernas. Vocês homens evoluem muito lentamente.

- Pára de viajar, Maria Helena. Parece que fumou maconha.

- Não era má idéia. Pra relaxar. Vou roubar do Pedro Paulo. Eu sei onde ele esconde. Podíamos fumar juntos.

- Eu já tô relaxado. Tô até com sono, pra falar a verdade.

- Lê, lê, lê, lê aí. ....Você já dormiu tudo a que tinha direito
nessa vida.

- Vou ler. "Todavia, o sildenafil não exerce um efeito relaxante diretamente sobre os corpos cavernosos..:'

- Não?

- Não, Maria Helena. Ele apenas "aumenta o efeito relaxante do óxido nítrico através da inibição da fosfodiesterase-5, a qual" - veja bem, Maria Helena, veja bem - "a qual é a responsável, pela degradação do monofosfato de guanosina cíclico no corpo cavernoso?". Ouviu isso?
Degradação, Maria Helena. Dentro dos meus próprios corpos cavernosos.
Degradante..

- Degradante é pau mole.

- Olha o nível, Maria Helena, olha o nível. Vamos ver os efeitos colaterais. Olha lá: dor de cabeça. Você sabe muito bem que se tem uma coisa que eu não suporto na vida é dor de cabeça.

- Na cultura judaico-cristã é assim mesmo, Horácio. Pra cabeça de baixo gozar, a de cima tem que padecer.

- Não me venha com essa sua erudição de internet, Maria Helena.Estamos off-line.

- Deixa de ser criança, Horácio. Se der dor de cabeça você toma um Tylenol, reza uma ave-maria, canta o "Hava Naguila'; que passa.

- Outro efeito colateral: rubor. Rá, rá. Vou ficar com cara de quê, Maria Helena? De camarão no espeto?

- Se for camarão com espeto, tá ótimo. Que mais, que mais?

- Enjôos. Ó céus. Enjôos...

- Você sempre foi um tipo enjoado, Horácio. Ninguém vai notar a diferença.

- Vamos ver o que mais... hum... dispepsia. Que lindo. Vou trepar arrotando na sua cara.

- Você me come por trás. Arrota na minha nuca.

- É brincadeira... É essa a sua idéia de amor, Maria Helena?

- Isso não tem nada a ver com amor, Horácio. Já disse: é
profilaxia contra o câncer. E arrotar, você já arrota mesmo o dia inteiro,sem a menor cerimônia. Na mesa, na sala, em qualquer lugar.

- Como se você não arrotasse, Maria Helena.

- Mas não fico trombeteando os meus arrotos. Isso é coisa de machão broxa. Em vez de trepar com a esposa, fica arrotando alto pra se sentir o cara do pedaço.

- Como você é simplória, Maria Helena, como você é... menor.
Desculpe, mas acho que o seu cérebro anda encolhendo, sabia? Ou mofando.Ou as duas coisas.

- Vai, Horácio, chega de conversa mole. E de pau idem. Pula os efeitos colaterais.

- Como, "pula os efeitos colaterais"? É porque não é você quem vai tomar essa meleca, né? Vou ler até o fim. Os efeitos colaterais são a parte mais importante. Olha lá: gases. Que é que tá rindo aí?

- Do efeito cu-lateral. Desculpa. Esse foi de propósito. Não agüentei.

- Admiro seu humor refinado, Maria Helena. Torna você uma mulher tão mais sedutora, sabia?

- Obrigada, Horácio.'Agora, quanto aos seus gases, pode relaxar o esfíncter, meu filho. Numa boa. Tô tão acostumada que até sinto falta quando estou sozinha. Sério. Fico pensando: Ah, se o Horácio estivesse aqui agora pra soltar uma bufa de feijoada com cerveja na minha cara...

- Maria Helena, qualquer dia você vai ganhar o Oscar da
vulgaridade universal.

- Vou dedicar a você.

- Vamos ver que mais temos aqui em matéria de efeitos
colaterais. Ah! Congestão nasal. Que gracinha. Vou ficar fanho, que nem o Donald. Qüém, qüém. Qüém.

- Um pateta com voz de pato. Perfeito.

- Ridículo. Absurdo. Idiota.

- Ridículo você já é, Horácio. E quem não é? Além do mais, é só calar a boca que você não fica fanho.

- Ah, tá. E se eu quiser falar alguma coisa na hora?

- Você não diz nada de interessante há mais de dez anos,Horácio. Vai dizer justo na hora de trepar?

- Eu não nasci para dizer coisas interessantes a você, Maria Helena.

- Já percebi.

- Hum. Ouve só; diarréia!

- Quê?

- É outro efeito colateral dessa bomba aqui. Fala sério, Maria Helena.

Isto aqui é um veneno. Não sei como eles vendem sem receita.

- Deixa de ser pueril, Horácio. Imagina se alguém vai ter todos os efeitos colaterais ao mesmo tempo. No máximo um ou dois.

- A caganeira e os arrotos, por exemplo? Ou a ânsia de vômito e os gases?

- Faz um cocozinho antes. Pra esvaziar. agora, Horácio. Eu espero.

- Eu não estou com vontade de fazer cocozinho nenhum, Maria Helena. Faça-me o favor. E olha aqui, mais um efeito colateral: visão turva.

- Você bota os seus óculos de leitura. E que tanto você quer ver que já não viu?

- Maria Helena, você não entendeu? Essa droga perturba
seriamente a visão. Vou ficar cego por sei lá quantas horas, quantos dias. E tudo por causa de uma reles trepadinha? E se a minha visão não voltar? Vou andar de bengala branca pro resto da vida?

- Pode deixar que eu guio a sua bengala, Horácio. Olha, pensa no lado bom da cegueira: você vai poder me imaginar 20 anos mais moça. Trinta,se quiser.

- Maria Helena, desisto. Não vou tomar essa porcaria e tá
acabado.

- Dá aqui essa cartela, Horácio. Abre a boca. Pronto. Engole.Olha a água aqui.

Isso.

Que foi? Engasgou, amor?! Tosse pra lá,ô! Me borrifou toda! Que nojo! Quer . que bata nas suas costas?

Ai, meu Deus! Horácio? Você está bem? Respira fundo! Isso,isso...

E aí, amor? Melhorou? Morrer afogado num copo d'água ia ser idiota demais, até pra um cara como você.

-Arrrf! E com essa pílula monstruosa entalada na garganta, ainda por cima!
Ufffa! Me dá mais água

- Quanto tempo isso aí demora pra bater?

-Isso aí o quê?

- A pílula, Horácio, a píluIa.

- E eu sei lá?

- Vê na bula, Horácio.

- Hum... tá aqui: 30 minutos.

- Ótimo. Dá tempo de ver o fim da minha novela.

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