14/12/2005

Por as coisas serem assim

Vasco Graça Moura

Francisco Louçã invoca a economia, mas não quer saber da realidade.

Jerónimo de Sousa talvez conheça algumas realidades, mas não sabe nada de economia.

Manuel Alegre nunca teve propriamente de pensar na economia nem na realidade.

Mário Soares continua a passar ao lado da realidade e da economia.

Qualquer deles seria uma catástrofe na Presidência da República.

Louçã só garantiria o miserabilismo próprio de uma caricatura de Torquemada em demencial trepidação revolucionária na Presidência.

Jerónimo de Sousa põe o seu calor humano ao serviço de uma agit-prop reivindicativa e cada vez mais corporativista. É uma espécie de João Ratão que ginga a contar ao seu auditório as histórias da Carochinha proletária.

A sua presidência equivaleria à preponderância do Comité Central do PCP, isto é, ao contra-senso da instalação informal de um órgão colectivo no topo do Estado português.

Manuel Alegre é a sua aura tribunícia de um certo romantismo revolucionário e a sua voz encorpada a proferir tiradas de cordata elegância para não assarapantar o centro. Assumir-se-ia como um sincero presidente de esquerda e acreditaria nessa piedosa ficção, mas confundiria capacidade política com galhardia oratória e acabaria por dar em Presidente-Rei...

Mário Soares reinventa a História e "reinventa-se" nela. Tenta agora transfigurar-se vertiginosamente em autoridade mundial em matéria de finanças públicas (!!!), invocando as negociações do seu Governo com o FMI. Esqueceu-se de acrescentar quem foi que negociou com o FMI, pelo Governo português e pelo Banco de Portugal.

Escapa ao comum dos mortais por que risonha osmose a competência se teria transferido de Ernâni Lopes e Cavaco Silva para um Soares que, por sinal, apresentou a sua candidatura a gabar-se de não perceber nada de finanças.

Mas Soares acrescenta que deixou os cofres do Estado cheios. Esquece-se de acrescentar que só os encheu com um valentíssimo buraco e revela-se um mestre na "arte do esquecimento" em 1985, ainda no seu Governo, a taxa de inflação atingiu os 20%, o défice do sector público ultrapassou os 11% do PIB, as taxas de juro de curto prazo andavam pelos 30%, o escudo andou em desvalorização constante, os salários em atraso afectaram 65 000 trabalhadores.

Tão bizarro "mago das finanças", com a bonomia preguiçosa do seu punhado de ideias gerais que não levam a lado nenhum, confirmaria na presidência a hegemonia total e politiqueira dos socialistas sobre o aparelho de Estado, mais o manobrismo matreiro, a picardia de bastidores, a contradição, a intriga que chega aos jornais, as prepotências sucessivas sobre o Governo.

É por paixão ideológica e rivalidade política, e também pelo despeito e pela exclusão em cadeia, que os quatro funcionam Louçã não perdoa a Jerónimo que não perdoa a Alegre que não perdoa a Soares que não perdoa a ninguém.

Exige-se para o cargo de Presidente da República um perfil político e humano muito diferente. E uma alta competência, com sobejas provas dadas nas áreas de economia e finanças e não só nelas, é uma mais- -valia essencial e não um handicap.

Além disso, o exercício de tais funções em plena crise requer uma arejada experiência interdisciplinar, uma qualificação e uma densidade política que nenhum daqueles candidatos possui.

Requer uma visão moderna do país e do mundo que eles não têm.

Requer realismo e sensatez que eles não têm.

Requer uma grande independência política e ideológica que eles não têm.

Requer uma personalidade rigorosa que eles não têm.

Requer uma linha de rumo impecável e uma estratégia para a concretizar que eles não têm.

Requer uma capacidade de falar a todos os portugueses, de representar todos os portugueses, de defender o interesse de todos os portugueses, de transmitir esperança a todos os portugueses, de ser respeitado e acreditado por todos os portugueses, que eles também não têm.

O Presidente da República deve reunir todos esses predicados. Só assim é que poderá contribuir decisivamente para uma mudança.

Portugal significará a Francisco Louçã que não precisa de uma revolução para nada.

Fará Jerónimo de Sousa perceber que se dispensa o programa comunista.

Dirá a Manuel Alegre e a Mário Soares que as liberdades já não estão ameaçadas desde há trinta anos e que os grandes problemas de hoje são outros e muito diferentes.

É por as coisas serem assim que aquelas candidaturas vão perder.

É por as coisas serem assim que a de Cavaco Silva vai ganhar.

http://dn.sapo.pt/2005/12/14/opiniao/por_coisas_serem_assim.html

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