02/01/2006

Corruptos por 100 euros

Os que recebem ‘luvas’ estão na sua maioria ao serviço da GNR e poder local. Os que pagam são quadros superiores do sector privado e empresas da construção civil. Entre 1999 e 2001, 400 pessoas e dez empresas deixaram-se corromper. Os favores beneficiaram 143 cidadãos e 78 entidades.

Justiça: estudo inédito analisa 224 processos e traça perfil dos criminosos

http://www.correiomanha.pt/noticia.asp?id=186535&idselect=181&idCanal=181&p=0

Só em Sintra estão a ser julgados 173 militares da GNR por corrupção, que a operação Centauro da PJ de Lisboa sentou no banco dos réus


É do sexo masculino, tem entre 36 e 45 anos, é casado, não tem antecedentes criminais, trabalha sob a tutela do Ministério da Administração Interna e presta serviço na GNR, no distrito de Lisboa. Este é o perfil do corrupto português, traçado num estudo inédito do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), ao qual o CM teve acesso. A pesquisa refere-se a processos entre 1999 a 2001 e revela que é a pequena corrupção que domina os processos que chegam a Tribunal em Portugal.Das 400 pessoas identificadas como corrompidas, o estudo debruçou-se apenas em 69, correspondendo ao número de casos que já não estavam em investigação. Dos funcionários que receberam ‘luvas’, metade trabalha para o Ministério da Administração Interna, 20,3 por cento nos órgãos de poder local e 18,8% no Ministério da Justiça. Relativamente aos serviços onde os funcionários estavam colocados surge à cabeça a GNR, com 27 casos (40,3%). Seguem-se as câmaras municipais, com nove casos (13,4%).A maior parte das pessoas cuja informação está disponível ‘vendeu-se’ por menos de 100 euros. No grosso dos processos (33,3%), porém, o estudo não consegue identificar os montantes envolvidos.Há também verbas elevadas envolvidas, mas numa percentagem menos significativa: cinco casos (2,8%) ultrapassaram os 50 mil euros. Por incrível que pareça, há registo de casos onde não existiu qualquer contrapartida.As ‘luvas’ serviram, sobretudo, para benefícios indevidos (46 casos), para evitar o pagamento de multas (41) e para obter uma licença (28 casos). Desta forma também se tentou influenciar avaliações, taxas ou impostos (19 casos) e acelerar processos ou decisões (16).A maior parte dos favores foi pago em dinheiro, mas há 13 por cento dos funcionários corrompidos que recebeu em géneros – três casos são de pouca monta, mas há sete que custaram mais de 1500 euros.As contrapartidas são quase sempre pagas na hora e a abordagem é feita num local público. Há também abordagens feitas por telefone e por terceiros. A iniciativa parte da pessoa que recebe as ‘luvas’.Quem mais paga por esses favores tem elevada escolaridade e ocupa lugares de chefia. São pessoas singulares e inserem-se no grupo dos dirigentes e quadros superiores, do sector privado. Ao nível empresarial, foi o sector da construção civil e obras públicas que mais usou esquemas ilícitos para obter contrapartidas.O estudo quer conhecer as circunstâncias que envolvem o acto criminoso – intervenientes, forma como se relacionam, montantes envolvidos – e esboçar perfis sociográficos, de corruptores e de corrompidos, individual e colectivamente. Para isso foram analisados 224 processos, sendo 219 de corrupção e cinco de participação económica em negócios – 65 processos são de 1999; 80 do ano 2000 e 79 de 2001. Apesar dos dados não revelarem uma variação significativa, mostram que ocorreram, em média, 6,2 actos de corrupção por mês.Nestes processos estavam envolvidos 400 pessoas e dez empresas que se deixaram corromper; e 143 pessoas e 78 empresas que pagaram favores. QUEM PAGA FAVORESForam identificadas 143 pessoas que pagaram favores, mas o estudo analisou apenas 59, não conseguindo identificar onde prestam serviço a maioria dos agentes corruptores (17). A área da construção civil, com quatro casos, surge assim à cabeça, seguindo-se as escolas de condução (três casos), os escritórios de advogados (dois casos) e o Ministério da Defesa (também dois casos). Banca, seguros e hipermercados estão na lista dos empregadores de quem pagou ‘luvas’. No sector empresarial, foram tidas em conta onze das 78 pessoas colectivas identificadas como corruptoras. Quatro são da área da construção civil, duas da indústria farmacêutica e duas da área da educação e formação. Há ainda empresas a pagar ‘luvas’ no sector bancário e nos transportes. ESTUDO À LUPA- Foram analisados 224 processos, constituídos por 400 pessoas e dez empresas que receberem dinheiro e 143 pessoas e 78 empresas que pagaram favores.- 61,2% dos casos encontrava-se em investigação; 25,4% estava arquivado; 6,3% estava em fase de julgamento; 5,4% tinha acusação; 0,9% estava em fase de instrução; 0,4% aguardava recurso do Supremo; 0,4% tinha recurso nas Relações.- Em termos médios, foram denunciados 6,2 crimes de corrupção por mês, entre 1999-2001.- Lisboa (30%) e Porto (19%) são os distritos que apresentam maior percentagem dos crimes.- As comarcas de Lisboa (22,5%), Porto (8,5%), Gaia (4%) e Vila Franca de Xira (3,6%) apresentam maior número de casos.- 20,5% dos corruptos tinha como objectivo a obtenção de benefícios indevidos e 18,3% o não pagamento de multa.- Relativamente aos montantes envolvidos, em 33,3% dos casos não foi possível identificar o valor. Em 14,4% o montante foi igual ou inferior a 100 euros.- As contrapartidas foram quase sempre entregues monetariamente (87%).- Embora se desconheça se na maioria dos casos (56,3%) o montante foi efectivamente pago, constata-se que 25% das verbas foram recebidas e 18,8% não.- 17,3% das contrapartidas foram pagas no momento, 12,8 foi paga antes e 11,2% depois (desconhece-se quando foi efectuado o pagamento em 54,2%).- A abordagem foi feita da pessoa que recebe para a pessoa que paga em 34% dos casos (em 40,6% dos casos não foi apurado).- A abordagem ocorreu com maior frequência num local público (42,6%) ou no local de trabalho da pessoa que recebe ‘luvas’ (26,5%).- Relativamento ao número de pessoas envolvidas, 40,7% dos casos corresponde a duas pessoas e 25,7% a três pessoas.- A maioria das denúncias foi efectuada por escrito (80,8%); 20% são verídicas; 12% são feitas por vingança.

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