11/01/2006

De cabeça erguida

O estado do País levou o empresário João Pereira Coutinho a comparar Portugal com a Argentina.
O risco da «ilusão total» de que fala Pereira Coutinho é sério. E o que dizer, se não concordar, quando se observa que o «problema não é sermos [Portugal] a cauda da Europa - é falirmos. É sermos a Argentina da Europa.»
Por muito dramático e alarmista que possa parecer, o discurso de Pereira Coutinho faz todo o sentido no ano do mata-mata nacional. Ferreira Leite diz que este «Governo não tem álibis para não decidir». É certo que à antiga ministra das Finanças lhe amputaram o trajecto quando as suas medidas podiam começar a fazer efeito – mas também não deixará de ter a sua quota de responsabilidade, mesmo perante a herança do desvarios do guterrismo. Ou não?
Por isso, quando constatamos o estado das coisas, quantas vezes não temos o direito de comparar resmas e resmas de gerações de burocráticos do poder a computadores de gigabytes: na altura em que são chamados a agir, fazem tudo, excepto pensar?
Se olharmos, por exemplo, para o elevado endividamento das famílias, encontramos um problema semelhante ao do baixo grau de formação profissional. Na sua génese está uma questão educacional, social e cultural. A maioria dos portugueses quer ter o mesmo que os seus vizinhos da Europa, mas sem fazer ou conceber metade do que os outros fazem – ainda que assim que atravessem a fronteira, por norma, os portugueses se transfigurem e trabalhem mais ou melhor do que os outros... possivelmente uma questão de ares.
A Portugal não bastará escrever um relatório a dizer que «a vaca da minha vizinha dá mais leite do que a minha e não sabemos porquê» e ficar à espera do dinheiro da UE. Ou puxa tudo para o mesmo lado – e, por exemplo, os sindicatos percebem de uma vez por todas os tempos em que vivemos – ou de pouco ou nada valerá o esforço sistemático de alguns.
Mais do que portarem-se como a mulher de César, os portugueses não podem dividir-se entre ser sérios ou parecer sérios. Têm de ser as duas coisas em simultâneo. Com responsabilidade e dinâmica. Numa moralização social. Que nos mantenha de cabeça erguida.

Filipe Rodrigues da Silva

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