08/12/2008

A actual geração de líderes europeus só sabe pensar em termos nacionais

Excelente artigo de Teresa de Sousa, no Publico
"Crítico da falta de liderança europeia, o antigo vice-chanceler da Alemanha diz que esta crise veio sublinhar a necessidade de um Governo económico europeu. E faz figas para que a UE esteja à altura de Obama.
Exasperação é talvez a palavra que melhor define a reacção do antigo líder dos "Verdes" alemães que foi vice-chanceler e chefe da diplomacia alemã desde 1998 até 2005. Exasperação, entenda-se, perante a incapacidade da União Europeia para enfrentar unida os tempos difíceis e fazer deles uma oportunidade. Joschka Fischer veio ao Estoril proferir uma conferência sobre desenvolvimento sustentável. A crise, com os seus desafios e as suas oportunidades, foi o seu tema. Nesta entrevista ao PÚBLICO, falou da crise de liderança na Europa sem poupar ninguém. E avisou: se os europeus não responderem positivamente ao desafio de Obama, a América desinteressar-se-á.
Disse na sua conferência que atravessamos uma tremenda crise económica mundial que pode ser também uma enorme oportunidade para gerir de outra maneira a globalização e o desenvolvimento. Tem sido muito crítico da forma tímida e desarticulada como a Europa está a lidar com esta crise. Os europeus arriscam-se a perder a oportunidade?
Sim. Este devia ser o momento da unidade. Tenho criticado duramente o meu próprio Governo por isso. Não sou totalmente a favor das propostas de Nicolas Sarkozy, na sua substância, porque tende a agir, às vezes, mais como Presidente da França, com as suas ideias proteccionistas que não me parecem muito boas, do que como presidente da União Europeia. Mas a sua ideia original de que o Eurogrupo precisa de uma melhor e mais forte coordenação das suas políticas económicas está absolutamente certa. E não compreendo porque é que a Alemanha responde que não. Mas, do meu ponto de vista, o que precisamos mais neste momento é de uma liderança europeia forte, e é isso precisamente que não há. A Comissão não está a ser capaz de assumir essa liderança.
Na última vez que falei consigo, há dois anos, disse que a maior das crises europeias era a de liderança. Nada mudou?
É a mesma coisa.
Mas como é que explica que toda a gente considerava Angela Merkel uma verdadeira líder europeia há apenas seis meses, e hoje ela desapareceu?
Toda a gente menos eu.
Lembro-me das suas críticas. Mas a chanceler tem agido, face a esta crise, como uma líder apenas alemã. Como é que explica isto?
A única coisa que lhe posso dizer é que a tenho criticado muito, porque a Alemanha é a maior economia europeia, é a locomotiva europeia, e o Governo e a chanceler não estão a agir de uma forma que vá no sentido do reforço da Europa, o que é lamentável. O debate começou agora na Alemanha [sobre a resposta à crise], mas a verdade é que isso também faz parte da crise de liderança de que falei.
Também tem sido muito crítico da Comissão Europeia.
A Comissão foi quase inexistente nesta crise. Começou agora a fazer alguma coisa, muito devagar. Compreendo os problemas da Comissão. Tornou-se demasiado grande com o alargamento. Ainda não temos as reformas institucionais do Tratado de Lisboa, que poderiam melhorar as coisas. Percebo tudo isto, mas, ao mesmo tempo, a Comissão deveria ter desempenhado um papel mais corajoso e deveria ter avançado com uma ideia de governação económica europeia que, pelo menos, obrigaria a um debate alargado. A tradição da Comissão é defender o interesse comum europeu e não vejo isso.
Não pensa que isso se deve também ao facto de os Estados, sobretudo os grandes, quererem uma Comissão fraca?
Infelizmente, muitos governos europeus estão muito satisfeitos com a fraqueza da Comissão, e isso é lamentável. Mas não me interprete mal, eu não tenho nada contra José Manuel Barroso, nem do ponto de vista político e partidário, nem do ponto de vista pessoal, nem o critico por qualquer ambição pessoal. É apenas uma análise sobre o que ele faz e o que não faz, a partir daquilo que eu defendo e que é uma Europa forte. A Comissão não esteve à altura do desafio.
É verdade que a presidência francesa [da UE] tem sido uma presidência forte. Não posso criticar Nicolas Sarkozy no caso da Geórgia ou na forma como lidou com a crise financeira. Mas o que falta na presente geração de líderes europeus é aquilo que podíamos ver na geração de Kohl e de Mitterand. Tinham um espírito europeu. Eram políticos duros a defender os seus poderes e os seus interesses, também queriam ganhar eleições nos seus países, mas tinham uma inspiração, uma visão europeia. Gerhard Schroeder e Jacques Chirac já foram diferentes, mas, pelo menos, não cometeram erros demasiado graves do ponto de vista europeu, a não ser o referendo à Constituição europeia na França. As suas decisões sobre o alargamento, sobre a Turquia, até sobre o Iraque, foram no bom sentido. Mas já não tinham o mesmo espírito.
A desunião entre Berlim e Paris pode ajudar a explicar esta falta de liderança europeia?
Não. É o resultado dela. Esta desunião sempre existiu. A França e a Alemanha sempre foram como dois irmãos muito diferentes que passam a vida a discutir. Nunca é fácil, portanto, mas as lideranças sabem ultrapassar isto. No fundo, Merkel e Sarkozy também vão ter de encontrar uma qualquer forma de se entenderem, porque isso é absolutamente necessário.
Não lhe parece que esta crise seria a grande oportunidade de mostrar aos europeus para que é que realmente serve a União?
Isso é o que eu percebo menos. Se fosse ainda um político no activo, o meu símbolo neste momento seria o euro [tira um do bolso e mostra-o].
Isto somos nós, é o nosso poder, a nossa protecção. Onde é que estaríamos - incluindo a Alemanha, não falo apenas de pequenos países - sem isto? A Irlanda teria caído no abismo. Mas ninguém diz isso, que era tão fácil de perceber.
Como vê o relacionamento da UE com a Rússia? Muitos acordos com a Gazprom e pouca estratégia?
Há uma coisa que é preciso dizer: temos interesses muito fortes na Rússia. Especialmente a Alemanha. E devemos deixar isso muito claro. O problema não é a França e a Alemanha, a Itália ou o Reino Unido terem grandes interesses na Rússia. O problema é que o Governo alemão está a rejeitar um mercado europeu do gás e, ao fazê-lo, está a rejeitar uma política energética integrada que deixaria imediatamente a Rússia com muito menos poder. A força da Rússia é a fraqueza europeia. A Rússia não é assim tão poderosa. Nós é que somos fracos. Não devemos culpar a Rússia, devemos culpar-nos a nós próprios.
Mas precisamos também de uma Rússia, já não digo democrática, mas politicamente fiável, que não ande a ameaçar os vizinhos.
Para o cidadão russo normal, esta é a melhor Rússia que alguma vez conheceu. Não é perfeita, mas é melhor do que alguma vez foi. Não devemos subestimar este sentimento. Não estou a defender Putin, apenas a lembrar que é isto que as pessoas sentem. Em segundo lugar, e como já disse, a Europa tem um interesse estratégico em ter uma boa relação com a Rússia. Mas isso não pode ser conseguido a qualquer preço, sobretudo permitindo que ela regresse à política imperial. É essa a linha vermelha.
Fui a favor do alargamento anterior da NATO, mas não estou a favor do alargamento à Ucrânia e à Geórgia. Está mal concebido e é prematuro. O que eu digo é que não devemos, por um lado, permitir que a Rússia tenha um veto sobre as decisões dos seus vizinhos, mas, por outro, devemos compreender que trazer agora a Geórgia e a Ucrânia para dentro da NATO é prematuro. Penso que devíamos equilibrar os nossos interesses contraditórios e, sobretudo, reforçar a Europa.
Chega sempre aí.
É verdade, posso tornar-me aborrecido, mas esta é a verdade nua e crua. Estamos a dar os incentivos errados à Rússia com a nossa fraqueza e a nossa divisão.
Ainda não sabemos qual vai ser o impacte desta recessão. Ainda admite o cenário mais negativo: de proteccionismo, nacionalismos, conflitos, revoltas sociais...
Bem, revoltas sociais, confrontos, terrorismo, tudo isso vai continuar. O proteccionismo seria uma desgraça, mas creio que não é muito provável que se vá por aí. Como disse na minha conferência, havia 2,3 mil milhões de pessoas no mundo aquando da crise de 1929. Hoje, somos 6,7 mil milhões. Nessa altura, não havia televisão nem Internet e a esmagadora maioria das pessoas vivia fora do processo político. Isto mudou dramaticamente. Hoje, a grande maioria das pessoas faz parte do processo político. As condições para travar a globalização e regressar ao proteccionismo são muito menos propícias. O que precisamos é de um novo conjunto de regras para agir de uma forma responsável e controlada num mundo globalizado.
Um dos maiores desafios que enfrentamos é integrar a China. O G20 é a boa direcção?
É. Se vai ser o G20 ou o G16, não sei. Mas será esse o futuro. O G8 já não pode dirigir o mundo, é tão simples como isso. Temos de partilhar poder com o Oriente e o mundo vai pender muito mais para esse lado. Mas isto significa também - voltamos sempre ao mesmo - que a Europa ficará mais fraca em termos relativos e, por isso, ainda mais necessitada de união para pesar num espaço geopolítico muito diferente.
"A força da Rússia é a fraqueza europeia. Não devemos culpar a Rússia, devemos culpar-nos a nós próprios"

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