15/04/2006

Turística

Boa abordagem do
António José Teixeira


Tende a confundir-se a acção política com a capacidade legislativa. Qualquer governante, que se julga levar a sério o seu papel, ocupa muito do seu tempo a legislar. Muitas vezes, demasiadas vezes, por qualquer minudência. Outras porque raramente passa pela cabeça de um executivo que aquilo que melhor pode fazer pela comunidade é sim- plesmente aplicar as leis vigentes, cumprir aquilo a que o Estado se comprometeu.

Governar na política contemporânea tem sido confundido com capacidade de marcar a agenda mediática. E o modo mais fácil de o conseguir é anunciar uma alteração legislativa seja lá pelo que for. Governar é alterar, mudar. Daí que qualquer despacho, portaria, decreto ou lei tenha como destino fundamental ser revogados. Qualquer iniciativa legislativa garante tempo de antena, mesmo que seja inconsequente, como é hábito. Mais do que a sua regulamentação ou concretização, a sina de um qualquer diploma é a sua alteração. Este princípio geral aplica-se a qualquer "reforma estrutural" ou à mais trivial actividade humana. Nada passa incólume à fúria legislativa, mesmo que nem chegue a ganhar letra de forma no Diário da República.

O anúncio de uma resolução do Conselho de Ministros que obriga ministros, secretários de Estado, directores--gerais e equiparados a viajar de avião, "por princípio", em classe turística é um exemplo da trivialidade legislativa mais ocupada em efeitos mediáticos do que na responsabilidade da função política. Só a expressão "por princípio" é todo um programa de interpretação.

A ideia de que um ministro não deve viajar em "executiva" mas em "turística" é sem dúvida popular, mesmo descontando a ironia das classificações... A ideia de que é preciso legislar para que os ministros sejam racionais na gestão dos recursos públicos é reveladora. A prometida nova legislação diz coisas fantásticas: obriga a reduzir as comitivas ao indispensável (será que deveria ser de outro modo?), obriga a regressar no voo da tarde e não ficar para o dia seguinte... É extraordinário o esforço legislativo do Governo! É extraordinário o modo como os governantes se obrigam a ser simplesmente sensatos e responsáveis. Duvidarão dos seus ímpetos e tentações? Terão receio de pecar? Só falta mesmo estabelecer um regime de faltas, com livro de ponto, para ministros e secretários de Estado. As novas regras das viagens surgiram no mesmo dia em que se constatou a debandada dos deputados... Não falta muito para o Diário da República se ocupar do tipo de restaurantes que os governantes podem frequentar! Ainda se lembram do Simplex e da desburocratização?

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