09/02/2008

Manuel Beleza Moreira Chicau - Empresário de vinhos alentejanos e agora também da Sagres.

Será que ele conseguirá por os brasileiros a apreciar uma excelente cerveja ?
Entrevista com este empresário português, no Brasil.
"Gazeta Mercantil: Porque um importador de vinhos resolveu investir em cerveja?
Manuel Beleza Moreira Chicau – Bem, primeiro para tornar o catálogo mais variado. Fiz assim com vinhos. Comecei com o Alentejo, depois trouxe vinhos do Porto e hoje importo vinho de praticamente todas as regiões portuguesas. O objetivo é ter sempre mais opções. Mas, principalmente, pretendo, com a cerveja, criar novos mercados para o vinho no Brasil. Neste sentido tambem é que passamos a trabalhar com caixas fracionadas.
GZM - Como assim?
Manuel Chicau – O mercado de vinho no Brasil esta crescendo e atraindo novos consumidores, e não só nos grandes centros, mas em todo o País. A idéia é usar a Sagres para negociar também vinhos em restaurantes que até agora só se interessavam por cerveja. Isto é fácil porque o consumidor de cerveja de qualidade agora quer também o vinho e os donos de restaurantes já notaram isto. A primeira remessa foi praticamente toda vendida para este tipo de mercado, num sistema que poderíamos chamar de "venda casada" de cerveja e vinho.
GZM - Se você quisesse, então, havia mercado para uma importação maior de cerveja?
Manuel Chicau – Provavelmente. Mas prefiro ir aos poucos. Foi assim quando eu e minha mulher começamos a Adega Alentejana. Trouxemos apenas um conteiner. Na época brincávamos que se não conseguíssemos vender, não seria um prejuízo tão grande e, pelo menos, teríamos vinhos de qualidade para beber por um longo tempo. Mas os vinhos foram bem aceitos e antes do que pensávamos já estávamos fazendo a segunda importação.
GZM - Além do vinho e, agora da cerveja, quais outros produtos você pretende importar de Portugal?
Manuel Chicau – Estamos trazendo o tradicional licor português a Ginja (uma variedade de cereja muito acidulada), uma bagaceira e também azeites especiais elaborados por pequenos produtores. E estamos interessados em iniciar a exportação de queijos de cabra e de embutidos alentejanos feitos com nosso porco de "pé preto", que considero tão bom ou até melhor que o famoso "pata negra" dos nosso vizinhos espanhóis. Afinal a produção de bolotas seu principal alimento é mais abundante no Alentejo e nosso porco só não é tão famoso quanto o espanhol porque português não sabe fazer marketing e propaganda.
GZM - Porque você diz isto?
Manuel Chicau – Por experiência própria. Por exemplo, foi difícil convencer os pequenos produtores de azeite do Alentejo, acostumados a vender seu produto a granel, a engarrafar e colocar um rótulo para que eu pudesse traze-los para o Brasil. Foi preciso que meu irmão, José Chicau, que é publicitário aqui em São Paulo, criasse o rótulo e eu mandei comprar e entregar as garrafas na casa dos produtores alentejanos. Aí só tiveram que envazar. E são azeites excelentes, mas eles têm medo de investir em mercados maiores fora de suas comunidades. Agora estão animados com os resultados
GZM - Mas como foi que tudo começou. Como você veio parar no Brasil, qual é a história de Manuel Chicau?
Manuel Chicau – Eu nasci em Beja, no Alentejo em 1958 e quando tinha 17 anos vim com meus pais, meu irmão e minha irmã para o Brasil. Foi logo após a Revolução dos Cravos e meu pai, com três filhos para estudar, ficou desesperado quando trancaram as matrículas em todas as universidades públicas por falta de professores, pois muitos haviam perdido o emprego com o fim do salazarismo. Meu pai, que era engenheiro-agrônomo, foi a primeira pessoa da pequena vila onde nasceu no Alentejo que estudou e que se preocupava muito a dar a mesma formação aos filhos. Na verdade, no intímo, deseja novos agrônomos na família, mas só minha irmã seguiu a tradição. Eu sou engenheiro-civil e, meu irmão, publicitário. Em Portugal havia também, na época, muitodesemprego com a volta dos portugueses de Angola e Moçambique. Podíamos ir para qualquer país e escolhemos o Brasil por causa da identidade cultural e da língua.
GZM - Vieram dispostos a começar uma vida nova?
Manuel Chicau – Na verdade, não totalmente. O plano de meus pais era esperar a situação em Portugal se normalizar e retornar o que ele e minha mãe, hoje falecidos, assim como minha irmã fizeram. Mas comigo e meu irmão foi diferente. Nos apaixonamos pelo Brasil, pela vida cosmopolita de São Paulo, estudamos aqui, na USP. Arrrumamos trabalho aqui, nos apaixonamos e nos casamos com mulheres brasileiras. Lançamos nossas raízes aqui, hoje temos filhos brasileiros. Meus pais sempre sentiram falta dos três netos brasileiros e gostavam muito quando íamos para lá e ele reunia todos os seus cinco netos, dois deles vivendo em Portugal.
GZM - Você é uma pessoa que não perdeu suas raízes portuguesas, basta ver o negócio que escolheu. Como explica esta afinidade sua e de seu irmão com o Brasil?
Manuel Chicau – Eu e meu irmão criamos uma história para contar isto. Existe no Alentejo, uma palavra "parolo", que significa mais ou menos "caipira". Eu meu irmão éramos dois jovens paralolos cujo maior sonho era juntar o dinheiro que conseguíamos trabalhando na vindima, que, diga-se de passagem, era um bom dinheiro, para passar férias nas praias do Algarve onde dezenas de turistas alemãs faziam top less. Ai tivemos a chance de conhecer o mundo, e caímos no País do fio dental (ri)... Ainda me lembro das férias portuguesas, como ganhávamos o dinheiro amassando uvas (a colheita era uma tarefa feminina), nossos pés ficavam por um bom tempo com a cor preta. Ainda bem que a areia do Algarve é fofa e permitia que escondêssemos os pés. O problema era quando queríamos deitar na areia .... Mas, na verdade, o Brasil foi uma terra de oportunidades para dois jovens portugueses. Por outro lado, Rosely, minha mulher, e sócia da Adega, que é brasileira, se apaixonou pelo Alentejo, e como gosta de cozinhar, adotou várias receitas portuguesas que aprendeu com a família.
GZM - E quando resolveu mesmo que deveria se tornar um importador de vinhos?
Manuel Chicau – O vinho português que se encontrava no Brasil na época era aquele mais tradicional, como i Dão Vasco, Mateus Rosé, e não havia marcas top. Mas Portugal havia passado por uma revolução na qualidade dos seus vinhos, exatamente através do Alentejo. Mas estes vinhos não chegavam ao Brasil. E eu sabia que tinham tudo para agradar o paladar do brasileiro. Costumava apresentá-los a grupos de amigos que convidava à minha casa. Fazia degustações às cegas com vários outros vinhos europeus e do Novo Mundo e os portugueses venciam na maior parte das vezes. Mas até ai era um hobby. Um dia um primo que visitava o Brasil perguntou a mim e a Rosely porque não importávamos vinhos do Alentejo. Resolvemos experimentar trazendo um contêiner. Não paramos mais.
GZM - E o que foi mais difícil no início?
Manuel Chicau – Acho que houve mais dificuldades do lado português. Eles não tinham idéia do grande mercado que o Brasil havia se tornado para o vinho de maior qualidade. Negociávamos caso a caso, produtor a produtor, e como somos uma família conhecida no Alentejo, isto também ajudou muito. Também faltavam incentivos do governo português para o Alentejo se tornar um grande exportador. Na época de Salazar a região, apesar da qualidade do seu terroir, era incentivada apenas para o plantio de grãos. Hoje o quadro mudou. A região faz um ótimo vinho, sedutor logo no primeiro gole, daqueles que descem redondo, sem necessidade de se aprender a gostar do paladar deles e isto os torna mais fáceis de colocar no mercado. O próprio aumento de produção levou ao interesse pela exportação e o Brasil é muito importante neste contexto. Tem um mercado crescente e muito sofisticado. O País tem um serviço de vinho que inclui de sommeliers a taças adequadas, superior até a muitos países europeus. Além disto, tem consumidores de altíssimo padrão.
GZM - E que marcas vocês começaram a trazer ao Brasil?
Manuel Chicau – As primeiras marcas foram os Vinhos Adega Cooperativa de Borba, Roquevale, Fundação Eugênio de Almeida, o Cartucha e o mítico Pera Manca. Hoje trazemos vários outros produtores alentejanos e também temos hoje vinhos do Douro, Dão, Extremadura, Terras do Sado, entre outros. Estamos trazendo também excelentes espumantes do Douro e da Bairrada, entre outros. Só não trazemos o Moscatel de Setubal e o Vinho Madeira porque seu consumo é muito pequeno e o preço fica proibitivo. E o Porto representa bem os vinhos fortificados portugueses. Os vinhos Ea, Foral de Eva, Cartuxa e Pera Manca são os campeões de venda.
GZM - E como tem se comportado o mercado braisleiro atualmente?
Manuel Chicau – É um mercado em pleno crescimento, que não se limita mais a Rio e São Paulo. Cada vez mais cidades passam a consumir o produto. Goiânia (GO) e Vitória (ES), Imperatriz (MA), assim como o Nordeste são grandes mercados. Hoje 60% do vinho ainda fica em São Paulo mas o resto espalha-se pelo Brasil. O Sul, de São Paulo para baixo, é mais complicado. Há a concorrência do vinho nacional que produz cada vez e melhores, embora acredite que o País não tem terroir para vinhos realmente top e há muita importação clandestina do Chile e Argentina.
GZM - E os impostos?
Manuel Chicau – São muito altos no Brasil, o que torna o vinho uma bebida cara, mas embora me prejudique, acho que o governo brasileiro está certo em proteger a produção nacional. Pelo menos até que haja uma contrapartida da União Européia para os produtos agrícolas que o País exporta.
GZM - E como é seu esquema para alcançar o mercado brasileiro?
Manuel Chicau – Não vendo para o consumidor final. Por isso não pretendo abrir lojas como fazer vários importadores. Aqui tenho um showrom e 97% da minha produção destina-se a restaurantes e hotéis, o restante vai para supermercados – não tenho interesse pelas grandes redes, pois negociar com elas é muito complicado e o vinho acaba tendo um preço muito alto. Menos de 1% das vendas é feita para o consumidor final.
GZM - Para terminar, como foi que você decidiu largar a carreira de engenheiro civil e dedicar-se apenas à importadora.
Manuel Chicau – Foi durante umas férias com a família, caminhando pela Chapada Diamantina. Resolvi que era hora de ter mais tempo para eles. Foi um investimento em qualidade de vida. A família toda topou na hora."

 

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