16/02/2008

Se mais CO2 for mau. E daí?

Em branco

por Robert Bryce [*]
No que concerne à ciência das alterações climáticas globais, sou um agnóstico.
Vi o filme de Al Gore e li relatórios do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas. Entrevistei alguns cientistas do clima de topo dos EUA. Também li o que os "cépticos" têm a dizer.
Não sei quem tem razão. Agora que Gore ganhou o Prémio Nobel da Paz, parece que – pelo menos por agora – os cépticos estão a perder a guerra das relações públicas. Seja como for. Para mim, por muitas razões, a ciência já não importa porque [o debate] se tornou rancoroso e demasiado politizado. A facção pro-Gore insiste em que o debate [sobre o efeito] antropogénico está "arrumado". Que não é necessária qualquer discussão adicional. A facção anti-Gore afirma que o período actual de aquecimento poderia ser o resultado de uma variação natural cíclica do tempo, das manchas solares ou de um certo número de outras coisas.
Novamente, já não me preocupo muito com a ciência. Para mim, a pergunta central e que poucos estão dispostos a discutir a fundo é: E daí?
Isto é, se os decisores políticos concordarem com Al Gore, e com outros que acreditam ser mau o dióxido de carbono em demasia, então o que é que devemos fazer? Os combustíveis fósseis satisfazem actualmente cerca de 85% das necessidades energéticas de todo o Mundo. Ainda mais importante é este corolário: Aumentar o consumo de energia equivale a aumentar padrões de vida. Sempre. Por toda a parte. Perante este facto, como é que podemos admitir que os povos de todo o Mundo – todos os 6,6 mil milhões – possam consumir menos energia? A resposta sumária é: não podemos.
Sim, trata-se de uma conclusão impopular – particularmente para aqueles na esquerda liberal. Quem ousar questionar o grupo que acredita no aquecimento global é imediatamente etiquetado como um herético/traidor/ignorante ou ainda pior. Questionar as conclusões do IPCC pode ser uma má decisão para a carreira dos cientistas que estudam o clima. Os intelectuais ou os jornalistas que questionam Gore ou o IPCC são postos no pelourinho acusados de estarem ao serviço da Exxon Mobil ou do lobby do carvão pela audácia de duvidar do evangelho dos apoiantes do Al [Gore].
Alguns dos mais desagradáveis emails que já recebi foram enviados depois de ter escrito um artigo para o Counterpunch uns poucos meses atrás em que destacava uma das afirmações do filme de Gore – "você pode mesmo reduzir a zero as suas emissões de carbono" – como sendo um erro de palmatória (Ver "Al Gore Wacky Facts" de 16/Outubro/2007).
Os emails desagradáveis costumavam incomodar-me. (Se não gostar deste ensaio ou das minhas conclusões, por favor poupe-me o trabalho de deletar os seus arrazoados). Não enviem mais. Não me importo com a distinção entre esquerda-direita/liberal-conservador [posições políticas nos EUA]. Estou cansado do jogo do politicamente correcto. Quando se trata de temas de energia, sou um liberal que se preocupa com as leis da termodinâmica. E aquelas leis conduzem-me à realidade dos fenómenos da energia. Durante anos, ignorei as leis imutáveis da termodinâmica. Mas no decurso da escrita do meu livro atrás referido, "Gush of Lies: The Dangerous Delusions of "Energy Independence" [Efusão de mentiras: A perigosa ilusão da "independência energética"] tive de prestar-lhes atenção [a essas leis]. E, ao fazê-lo, fui forçado a aceitar o facto de que não existe nenhuma solução miraculosa, nem respostas fáceis, quando se trata de energia.
 
TECNOLOGIA, MORALIDADE E ESCALA
 
Assim, quando se trata do aquecimento global e do consumo de energia, existem três temas fundamentais a considerar: tecnologia, moralidade [valores morais] e a escala do uso global da energia. Primeiramente, a tecnologia: Quando pergunto o que é necessário fazer para diminuir as emissões de dióxido de carbono uma das primeiras respostas é "Deveremos usar a energia mais eficientemente". Esta é a fórmula mágica do guru dos verdes Amory Lovis que, durante décadas, foi o bem-amado da Esquerda/Verde. Para Lovis e os seus apóstolos a salvação da civilização jaz na eficiência energética.
Não há nenhuma dúvida que aumentar a eficiência energética é uma coisa boa. Mas não resultará necessariamente num consumo de energia mais baixo. Este facto foi provado repetidamente desde 1865 quando William Stanley Jevons, um economista britânico, publicou o seu livro mais famoso "The Coal Question" [O problema do carvão] que analisou tendências do consumo de energia na Grã-Bretanha. Ao descrever o que é conhecido por Paradoxo de Jevons , disse: "É uma completa confusão de ideias supor que o uso económico [eficiente] de combustíveis é equivalente a uma diminuição do consumo. A verdade é precisamente ao contrário". O paradoxo é ilustrado por tendências recentes de consumo de energia nos Estados Unidos. Desde 1950, a quantia do produto interno bruto produzido por unidade de energia consumida duplicou – e, no entanto, durante o mesmo período de tempo o consumo de energia nos Estados Unidos triplicou. Encontram-se facilmente outros exemplos do paradoxo de Jevons.
Outra resposta irreflectida dos verdes para [lutar contra] o aquecimento global é: "Utilize mais eólicas, energia solar e biocombustíveis". O vento e o solar são bons. (tenho 3200 watts de painéis fotovoltáicos no telhado da minha casa.) Mas são [energias] inexoravelmente intermitentes. Até que apareça uma descoberta tecnológica revolucionária que permita armazenar grandes quantidades de electricidade, essa intermitência restringirá severamente a aptidão eólica e solar para fornecer muito mais do que uma percentagem de um simples dígito relativamente às necessidades de electricidade a nível mundial. Usamos combustíveis fósseis precisamente porque têm uma muito elevada densidade energética [e facilidade de armazenamento] – isto é, contêm poder calorífico elevado e concentrado; a eólica e o solar não. E, mesmo que haja uma descoberta sensacional para a eólica e o solar, Vaclav Smil, um distinto professor de geografia da Universidade de Manitoba, que ocupou a maior parte da sua carreira a escrever sobre energia, preveniu: "As transições energéticas duram gerações e não anos ou meses e não, como no caso do microprocessador, existe nenhuma lei de Moore para os sistemas energéticos". (A lei de Moore, segundo o co-fundador da Intel, Gordon E. Moore, refere-se à tendência histórica dos componentes informáticos para duplicarem de capacidade a cada dois anos.)
Quanto à promessa dos biocombustíveis: esqueça-a. O ultraje da fraude do milho-etanol e os efeitos deletérios da produção de biodiesel estão bem documentados. Mesmo que os Estados Unidos transformassem todo o seu milho (foram produzidos 10,5 mil milhões de bushels [370 mil milhões de litros] em 2006) em etanol, tal processo atenderia apenas 6% das necessidades de combustíveis líquidos dos EUA. Se os Estados Unidos transformassem toda a sua soja em biodiesel seriam capazes de fornecer apenas 1,5% das suas necessidades de gasóleo. Quanto ao incrível exagero sobre o etanol de celulose, sejamos realistas. A viabilidade comercial de etanol celulósico é o equivalente, no mundo da energia, ao Coelho da Páscoa ou a um Conto de Fadas – muitas pessoas acreditam neles, mas ninguém alguma vez os viu. E até mesmo que aconteça uma descoberta sensacional na produção de etanol celulósico nos próximos anos, demorará décadas até que o processo amadureça o suficiente para fornecer quantidades significativas de combustível ao mercado interno [dos EUA].
O segundo aspecto chave do tema do aquecimento global é a questão moral. Hoje, 1,6 mil milhões de pessoas não têm acesso à electricidade nas suas casas. Quase 2,5 mil milhões de pessoas utilizam madeira, estrume ou outro tipo de biomassa como energia para confeccionar alimentos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, aproximadamente 1,3 milhão de pessoas, a maioria crianças e mulheres, morrem devido à poluição causada pelos fogões a biomassa dentro de casa. A SIDA, a desnutrição e as faltas de água potável e sanitária são ameaças maiores para a saúde do que a poluição do ar no interior das casas.
Fatih Birol, economista chefe da Agência Internacional de Energia, afirmou: "É necessária uma acção política decisiva para acelerar o desenvolvimento energético nos países pobres como parte do processo alargado de desenvolvimento humano. Não podemos simplesmente sentarmo-nos à espera que as regiões mais pobres do Mundo se desenvolvam para se tornarem suficientemente ricas de modo a terem recursos para acederem a sistemas modernos de energia… O acesso à energia é um pré-requisito para o desenvolvimento humano".
Os países desenvolvidos do Mundo podem sempre falar nas virtudes dos painéis solares e dos aerogeradores, mas o que os países pobres em energia necessitam é de combustíveis comuns como o querosene, o propano e a gasolina. E, precisamente como nós, desejam [ter] electricidade confiável. As pessoas nos países industrializados têm uma obrigação moral de ajudar os países pobres em energia a obterem energia barata e de qualidade. É inegável que a energia mais barata e de qualidade, por agora e no futuro previsível, é a proveniente dos combustíveis fósseis.
A questão final é a da enorme quantidade de energia envolvida. Considere-se os seis países mais populosos do Mundo: China, Índia, EUA, Indonésia, Brasil e Paquistão. Os 300 milhões de residentes nos EUA consomem aproximadamente quase tanta energia quanto os outros cinco (os Cinco Grandes) juntos. De acordo com a "British Petroleum's 2007 Statistical Review" [Estatísticas anuais da BP], entre 2000 e 2006 o consumo dos EUA foi essencialmente constante, cerca de 17 mil milhões de barris equivalentes de petróleo por ano.
Entretanto, o consumo de energia dos Cinco Grandes foi sempre crescente. Entre 2000 e 2006 o uso da energia dos Cinco Grandes – que têm uma população total de cerca de 3 mil milhões de pessoas – cresceu à taxa anual de aproximadamente 5% ao ano. Assim, enquanto nos EUA o consumo de energia pode estabilizar ou subir ligeiramente na próxima década ou nas duas seguintes, o consumo energético (que será em grande maioria de combustíveis fósseis) dos Cinco Grandes duplicará, ou mais do que isso, nos próximos 14 anos.
A crença de que o Mundo pode cortar as emissões de dióxido de carbono drasticamente num lapso de tempo, enquanto metade dos povos do planeta estiverem vivendo à beira da miséria energética, é uma fantasia. Além disso, os países industrializados em geral, e os EUA em particular, não têm nenhuma autoridade moral para dizer aos países em desenvolvimento que afrouxem o crescimento do seu consumo de energia.
Trazer centenas de milhões de pessoas para fora da pobreza energética – e, assim, para padrões mais elevados de vida – significa provê-las do acesso a formas de energia barata e abundante. Goste-se ou não, isso significará uma parte substancial de consumo de combustíveis fósseis. E o uso acrescido de combustíveis fósseis significará mais aumentos de emissões de dióxido de carbono. E a verdade dura é que os povos do Mundo vão ter de se adaptar ao que acontecer de seguida no que diz respeito ao clima a nível mundial – sem importar as causas das suas alterações.
 
[*] Autor de Cronies: Oil, the Bushes, and the Rise of Texas, America's Superstate  . O seu novo livro Gusher of Lies: The Dangerous Delusions of "Energy Independence será lançado a 10 de Março. Contacto: Robert@robertbryce.com
 
O original encontra-se em http://www.counterpunch.org/bryce02082008.html Tradução de JAG. em resistir.info.

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