14/11/2008

As culpas dos culpados

Já vimos isto. Atribuir as culpas da presente guerra no Kivu (Leste do Congo) a poderes obscuros, desculpando sempre os visíveis autores das chacinas. É fácil afirmar que, na sombra, estaria a mão das companhias "ocidentais" (incluiríamos aí chineses, paquistaneses e israelitas?).
Estas firmas explorariam diamantes, o hoje desvalorizado coltan (que, ao contrário dos distraídos, só foi importante até 2002), a cassiterite, o urânio, o vitalíssimo pirocloro, as bauxites e o ferro.
Ignora-se, porém, que a maior parte das firmas locais de mineração, com acrónimos indiferentes como MHI, BMC, MPA, SOMIKIVU, METMAR ou SAKIMA, não é mais do que extensão "económica" dos senhores da guerra africanos, que disputam, sobretudo, a estratégica área de Lueshe.
"Senhores da guerra africanos", leram bem.
Falamos de milícias resultantes da desintegração do exército congolês, de bandos "étnicos", de agentes de países vizinhos, ou de simples marginais, conhecedores do tesouro que jaz debaixo dos seus pés ensanguentados.
Eis a chamada "terceira guerra do Congo".
Dá-se a seguir à que levou ao Poder Laurent Kabila (1996-1997), e à que opôs os seus ex-aliados ruandeses/ugandeses, de um lado, a zimbabueanos/namibianos/angolanos, do outro (1998/2003).
Importa explicar que este conflito não é separável do pesadelo de há 14 anos, no Ruanda. Pode aí ter morrido um milhão de pessoas.
O massacre, em parte conseguido, dos 15% de tutsi ruandeses (há no país 85% de hutus), através das milícias do "Interahamwe" (MRND) e do "Impuzamugambi" (CDR), foi perpetrado com larga ajuda da "comunicação social" local, em especial do sinistro jornal "Kangura", e das estações de radiotelevisão RR e RTLMC. Tudo isto está amplamente demonstrado no Tribunal Internacional de Arusha, que julga os crimes da época.
Expulsos os radicais hutus pelos tutsi rearmados da RPF, apoiados pelo Uganda, subiu ao Poder no Ruanda Paul Kagame, ex-oficial de informações, um tutsi que viria a marcar a região.
Os vencidos, temendo represálias e conscientes da condição de párias, fugiram para o vizinho Congo, onde subsistem na FDLR.
Mas o Leste do Congo tem também uma minoria tutsi. O general rebelde Laurent Nkunda (parceiro na exploração mineral), que entra agora em secessão, afirma querer protegê-la da FDLR, e de outras milícias, armadas por Kinshasa, para "evitar a repetição do holocausto de 1994".
Os combatentes dizem lutar em nome de Deus, e dos seus povos, mas ignoram qualquer consideração pelo "direito da guerra". Os civis são alvos constantes, as crianças são recrutadas em grandes números, a violação é uma arma, os maus-tratos, tortura, mutilações e outras desumanidades, o prato do dia.
Claro que se pode imaginar, por trás da imagem, um conflito ainda maior. Cada vez mais vasto, à medida que se apagam os pormenores.
O Ministério da Justiça do Ruanda, por exemplo, elaborou uma lista de franceses a deter, ou a culpar, incluindo Dominique de Villepin e o falecido Mitterrand. Acusa-os de armar os hutus contra os "anglófonos" tutsi.
Uma linha de especulação (pouco interessada no rigor, como veremos) vê em tudo, aliás, uma simples disputa entre os eixos Paris e Londres/Washington, com os "anglo-saxões" apostados em criar um "império tutsi", que incluiria o Leste do Congo, o Ruanda, o Burundi e o Uganda.
Mas, teorias à parte, os que matam e ordenam que se mate, são conhecidos.
Vivem em África, são africanos, e não têm desculpa.

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