19/11/2008

Papa João Paulo I

O Papa João Paulo I, nascido Albino Luciani (Belluno, 17 de Outubro de 1912 - Vaticano, 28 de Setembro de 1978), Patriarca de Veneza, governou a Santa Sé durante apenas um mês, entre 26 de Agosto de 1978 até a data da sua morte. Foi o primeiro papa desde Clemente V a recusar uma coroação formal, cerimonia não oficialmente abolida, ficando a cargo do eleito escolher como quer iniciar seu pontificado. Contudo, desde então, os papas eleitos têm optado por uma cerimonia de "início do pontificado", com a respectiva entronização e o juramento de fidelidade. Também foi pioneiro ao adoptar um nome papal duplo.

Trajectória e eleição para o papado

Albino Luciani nasceu em 17 de Outubro de 1912 em Forno de Canale (Belluno), na Itália. Seu nome de baptismo fora uma homenagem a um amigo da família, que morrera numa explosão em uma mina de carvão na Alemanha. De origem humilde, viu seu pai, chamado Giovanni, inúmeras vezes foi forçado a buscar trabalho em outros países, por ocasião da Primeira Guerra Mundial. Sua mãe, Bertola, católica fervorosa, incentivou-o a seguir a formação religiosa. No que ela foi bem sucedida: Albino foi ordenado padre em 1935, assumindo a posição paroquial que tanto desejara.

Embora não nutrisse maiores ambições, foi nomeado bispo por João XXIII e cardeal por Paulo VI. Esteve presente no Concílio Vaticano II, convocado em 1962 por João XXIII numa tentativa de aproximar a Igreja do mundo moderno. Albino Luciani era o Patriarca de Veneza quando, com 65 anos, foi eleito Papa em 26 de Agosto de 1978, na terceira votação do conclave que se seguiu à morte do Papa Paulo VI, superando o cardeal ultraconservador Giuseppe Siri - favorito ao trono de São Pedro, de acordo com a imprensa - por 99 votos a 11. A princípio, um atónito Luciani teria declinado de aceitar o pontificado, mas fora persuadido do contrário pelo cardeal holandês Johan Willebrands, que estava sentado a seu lado na Capela Sistina. Para isso, ter-lhe-ia dito: "Coragem. O Senhor dá o fardo, mas também a força para carregá-lo".

Escolhera o nome de João Paulo (Ioannes Paulus, pela grafia em latim) para homenagear seus antecessores, João XXIII e Paulo VI. Morreu na madrugada de 28 de Setembro de 1978, entre 23:30 e 4:30 da manhã, no Palácio Apostólico do Vaticano. Na época do conclave, o cardeal britânico Basil Hume, um de seus eleitores, chamou João Paulo I de "o candidato de Deus". A figura de João Paulo I na Igreja Católica sempre foi a de um papa afável, tendo, por isso, recebido a alcunha de "O Papa Sorriso".

Reza uma lenda que João Paulo I teria feito uma premonição sobre sua morte, ao afirmar a conhecidos que "alguém mais forte que eu, e que merece estar neste lugar, estava sentado à minha frente durante o conclave". Um cardeal presente na ocasião – que preferiu escudar-se no anonimato – confirmou que esse homem era, de fato, o polaco Karol Wojtyla. "Ele virá, porque eu me vou", prosseguiu o "Papa Breve". Curiosamente, Wojtyla realmente votara em Luciani naquele conclave e logo depois veio a se tornar João Paulo II.

Brasão e Lema

Descrição: Escudo eclesiástico. Campo de blau, com um monte de seis cômoros de argente, à italiana, sobreposto por três estrelas de cinco pontas de jalde, postas: 1 e 2. Em chefe as armas patriarcais de São Marcos de Veneza, que são de argente com um leão alado e nimbado , passante ao natural, sustentando um livro aberto que traz a legenda: PAX TIBI MARCE EVANGELISTA MEVS. O escudo está assente em tarja branca. O conjunto pousado sobre duas chaves decussadas, a primeira de jalde e a segunda de argente, atadas por um cordão de goles, com seus pingentes. Timbre: a tiara papal de argente com três coroas de jalde. Sob o escudo, um listel de blau com o mote: HVMILITAS, em letras de jalde. Quando são postos suportes, estes são dois anjos de carnação, sustentando cada um, na mão livre, uma cruz trevolada tripla, de jalde.

Interpretação: O escudo obedece ás regras heráldicas para os eclesiásticos. O campo de blau representa o firmamento celeste e ainda o manto de Nossa Senhora, sendo que este esmalte significa: justiça, serenidade, fortaleza, boa fama e nobreza. O monte é uma homenagem ao seu predecessor, o Papa Paulo VI, da família Montini, e ainda uma referência ao seu local de nascimento: Canale d'Agordo, nas montanhas Dolomitas, a cerca de mil metros acima do nível do mar, sendo de argente (prata) traduz: inocência, castidade, pureza e eloquência. As três estrelas representam as virtudes teologais: fé, esperança e caridade, sendo de jalde (ouro) simbolizam: nobreza, autoridade, premência, generosidade, ardor e descortínio. O chefe com as armas do Patriarcado de Veneza relembra o tempo feliz que o pontífice passou como seu patriarca e é ainda uma homenagem ao Papa João XXIII; sendo que a expressão "ao natural" é um recurso para se colocar o leão, naturalmente dourado sobre o campo de argente (prata), sem ferir as leis da heráldica. Os elementos externos do brasão expressam a jurisdição suprema do papa. As duas chaves "decussadas", uma de jalde (ouro) e a outra de argente (prata) são símbolos do poder espiritual e do poder temporal. E são uma referência do poder máximo do Sucessor de Pedro , relatado no Evangelho de São Mateus, que narra que Nosso Senhor Jesus Cristo disse a Pedro: "Dar-te-ei as chaves do reino dos céus, e tudo o que ligares na terra será ligado no céu, e tudo o que desligares na terra, será desligado no céu" (Mt 16, 19). Por conseguinte, as chaves são o símbolo típico do poder dado por Cristo a São Pedro e aos seus sucessores. A tiara papal usada como timbre, recorda, por sua simbologia, os três poderes papais: de Ordem, Jurisdição e Magistério, e sua unidade na mesma pessoa. No listel o lema HVMILITAS (Humildade) , é uma expressão da personalidade do papa Luciani.

Enfarto do miocárdio ou assassinato?

A brevidade de seu pontificado suscita até hoje especulações a respeito de que teria sido vítima de uma conspiração, algo nada novo na tradição do Vaticano. As suspeitas de envenenamento são amplificadas pelo fato de o Vaticano jamais permitir uma autópsia no corpo santo de um Papa. Sua saída repentina do cenário daria espaço a setores da Igreja ligados à Cúria Romana, mais empenhados em combater as tendências socialistas então emergentes no clero em vários países. Essa tese ganhou força com a eleição de João Paulo II, um pontífice conservador em relação a diversas questões, como aborto, contracepção e política. De fato, o ainda bispo Luciani desejara ao menos uma revisão das posições tradicionais da Igreja Católica sobre estes temas, consultando-se com especialistas em reprodução humana e com filósofos e pensadores de distintas religiões.

Se Paulo VI teve um relatório médico extremamente preciso quando de sua morte (até mesmo os horários das complicações médicas foram anotados), o mesmo não ocorreu ao Papa Sorriso; seu corpo foi embalsamado imediatamente após o falecimento, e as verdadeiras causas do óbito nunca chegaram ao público. Não é preciso muito esforço mental, portanto, para imaginar as inúmeras especulações surgidas acerca deste trágico evento. Muitas delas foram condensadas em um polêmico livro, do não menos controverso escritor David Yallop, conhecido por sua vigorosa atuação no jornalismo de investigação.

Um dos inúmeros boatos surgidos após a morte de João Paulo I diz que seu pontificado entrara em choque com idéias e interesses da Opus Dei. Durante o funeral, foram ouvidos fiéis aturdidos, que diziam: "Quem fez isso com você?", "Quem o assassinou?", já desconfiando de que a morte do Papa Sorriso não decorrera de causas naturais

Em Nome de Deus

O jornalista britânico David Yallop publicou em 1984, após longa pesquisa, a obra Em nome de Deus (In God's Name), na qual oferece pistas sobre uma possível conspiração para matar João Paulo I. A dar-se crédito às fontes de Yallop (que incluem inúmeros clérigos e habitantes da cidade do Vaticano), João Paulo I esboçara, no início de seu breve pontificado, uma investigação sobre supostos esquemas de corrupção no IOR (Istituto di Opere Religiose, vulgo Banco do Vaticano). Logo após eleger-se papa, ele ficara a par de inúmeras irregularidades no Banco Ambrosiano, então comandado por Roberto Calvi, conhecido pela alcunha de "Banqueiro de Deus" por suas íntimas relações com o IOR (o corpo de Calvi apareceu enforcado numa ponte em Londres, quatro anos depois, por envolvimento com a Máfia).

Entre os envolvidos no esquema, estaria o então secretário de Estado do Vaticano e Camerlengo, cardeal Jean Villot, o mafioso siciliano Michele Sindona, o cardeal norte-americano John Cody, na época chefe da arquidiocese de Chicago e o bispo Paul Marcinkus, então presidente do Banco do Vaticano. As nebulosas movimentações financeiras destes não passaram despercebidas pelo Papa Sorriso. Sem falar em supostos membros da loja maçônica P2, como Licio Gelli (vale lembrar que pertencer a essa comunidade secreta sempre foi e ainda é considerado motivo de excomunhão pela Igreja Católica).

A Cúria Romana como um todo rechaçou o perfil humilde e reformista de João Paulo I. Diversos episódios no livro corroborariam essa tendência: o Papa Sorriso sempre repudiou dogmas, ostentação, luxo e formalidades; para ficar num exemplo, ele detestava a sedia gestatoria, a liteira papal (argumentando que, por mais que fosse o chefe espiritual de quase mil milhões de católicos, não se sentia importante a ponto de ser carregado nos ombros de pessoas). Após muita insistência curial, ele passou a usá-la.

Seria no entanto importante referir que, quando o Cardeal Luciani ascendeu a Papa, o seu estado de saúde encontrava-se já bastante deteriorado.

Segundo Yallop, em 29 de setembro de 1978, João Paulo I anunciaria a remoção de Marcinkus, Cody, Villot e alguns de seus asseclas – o que poderia deixá-los à mercê de processos criminais. Mas Sua Santidade não acordou para levar a cabo as excomunhões: diz-se que teria sido encontrado pela freira Vincenza, que o servia havia 18 anos e que sempre lhe deixava o café todas as manhãs. Naquele fatídico dia, no entanto, ela ficara espantada com o fato de o Papa não ter respondido ao seu Buongiorno, Santo Padre (Bom-dia, Santo Pai); desde os tempos de padre em Veneza, ele nunca dormira além do horário. Notando uma luz acesa por trás da porta, ela entrou nos aposentos do Papa e encontrou-o de pijama, morto, com expressão agonizante, na cama. Seus pertences pessoais foram de imediato removidos por Villot. Entre eles, as sandálias do papa; no livro, é defendida a hipótese de que estariam manchadas com vômito – um suposto sintoma de envenenamento.

Yallop cita a digitalina (veneno extraído da planta com o mesmo nome) como a droga usada para pôr fim ao pontificado de João Paulo I. Essa toxina demora algumas horas para fazer efeito; Yallop defende que uma dose mínima de digitalina, acrescentada à comida ou à bebida do papa, passaria despercebida e seria suficiente para levar ao óbito. E para o autor de Em nome de Deus, teria sido muito fácil, para alguém que conhecesse os acessos à cidade do Vaticano, penetrar nos aposentos papais e cometer um crime dessa natureza.

Sem se deter na morte de João Paulo I, Yallop ainda insinuou que João Paulo II seria conivente com todas as irregularidades detectadas no pontificado de seu breve antecessor. Outra acusação grave feita no livro era a de que João Paulo II autorizara o financiamento secreto das atividades do sindicato Solidarnosc (Solidariedade) em sua terra natal.

O Filme de 1990,O poderoso chefão parte 3,retrata com algumas adaptações essa teoria defendida por Yallop.

As teorias defendidas por Yallop foram refutadas pelo escritor John Cornwell, também britânico, em seu livro A Thief in the Night (Um Ladrão na Noite). Em diversos tópicos, como o horário e a causa da morte do Papa, Cornwell contesta as afirmações e provas de Yallop e oferece sua versão, mantendo o debate aberto. Os que defendem as teses expostas em Em Nome de Deus afirmam que Cornwell seria ligado a personalidades influentes da Cúria Romana.

Existem também algumas teses que defendem que os negócios pouco claros entre o Banco Ambrosiano e o Banco Vaticano foram o motivo do seu assasinato sendo objectivo deste Papa a denúncia de crimes económicos e tencionando começar esse desafio pessoal dentro da igreja.

A previsão de Nostradamus

Em sua obra Centúrias, o profeta francês do século XVI Nostradamus teria previsto a morte de um papa em circunstâncias muito semelhantes às de João Paulo I (profecia relatada na Centúria 10, Quadrante 12), embora não estejam específicas outras circunstâncias, como nome e época:

O papa eleito será traído por seus eleitores,

Esta pessoa prudente será reduzida ao silêncio.

Eles o matarão porque ele era muito bondoso,

Atacados pelo medo, eles conduzirão sua morte à noite.

Uma interpretação simplista da profecia seria a de que "atacados pelo medo" seriam aqueles cujas irregularidades o Papa Sorriso estaria investigando, entre eles o Bispo Paul Marcinkus, presidente do Banco do Vaticano, John Cody, cardeal-arcebispo de Chicago e Licio Gelli, suposto maçom.

A versão oficial da morte

A versão oficial divulgada pelo Vaticano, contudo, diz que o corpo de João Paulo I teria sido encontrado pelo padre Diego Lorenzi, um de seus secretários, enunciando a morte como "possivelmente associada com infarto do miocárdio". Para alguns, João Paulo I teria sido vítima das terríveis pressões características de seu cargo, e que não tendo suportado-as, veio a perecer.

Outra hipótese levantada foi a de que o Papa "Sorriso de Deus" teria sido vítima de embolia pulmonar. De qualquer maneira, sua morte provocou enorme consternação entre os católicos; mesmo sob chuva torrencial, a Praça de São Pedro esteve totalmente lotada quando de seus serviços funerais. Em sua homenagem, seu sucessor adotaria seu nome papal ao ser eleito, em 16 de outubro de 1978.

 

http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_i/index_po.htm

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