03/11/2008

O caso do BPN e os casos da supervisão bancária

Há que não confundir as causas: a nacionalização do BPN não é filha nem enteada da crise financeira internacional. Esta pode ter acelerado o desfecho surpreendente que ontem conhecemos, mas os graves problemas do banco são antigos e têm origem muito diferente.
Numa altura em que as intervenções estatais de emergência no sector financeiro se tornaram habituais, esta distinção é importante e foi sublinhada ontem pelo ministro das Finanças e pelo governador do Banco de Portugal.
Primeiro porque estabelecer uma ligação errada entre os problemas bancários globais e o caso BPN pode criar alarmismo sobre a uma contaminação da crise a Portugal a uma escala que não é verdadeira; e depois porque, pairando sobre este caso graves suspeitas criminais, não se deve varrer isso para debaixo do tapete da crise financeira internacional. Esta começa a ter costas demasiado largas para servir de justificação também para casos deste perfil e para, como tudo indica, mais uma clamorosa "distracção" da supervisão do Banco de Portugal.

O caso BPN é um escândalo financeiro de uma dimensão e com contornos ímpares no Portugal democrático: é a primeira vez que o Estado é obrigado a tomar conta de uma instituição deste calibre por problemas criados por práticas deliberadas de alegados crimes. É de um caso de polícia que se trata.
Há vários anos que o BPN era comentado nos corredores do poder político e financeiro. E razões para isso não faltavam: as relações financeiras pouco transparentes entre accionistas e o banco; a opacidade permanente da lista de accionistas; o "despedimento" sucessivo de três empresas de auditoria externa que, no início da década, cumpriam o dever de colocar públicas reservas às contas do banco; a permanência em funções de um auditor, a BDO, que não fez qualquer alerta relevante às contas nos últimos anos; a elevada rotatividade de elementos do Conselho de Administração; e, como uma "cereja em cima do bolo", a proximidade com ex-governantes como Dias Loureiro, Daniel Sanches, Amílcar Theias ou Arlindo de Carvalho, além, obviamente, do próprio Oliveira e Costa, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do PSD.
Durante anos se comentou tudo isto e mais casos concretos de alegadas operações iregulares. As poucas notícias que foram publicadas sobre o banco - matérias complexas onde, em regra, ninguém dá a cara e muito menos há provas documentais que as suportem - eram desmentidas pela instituição. Do banco central, que tem essencialmente a tarefa da supervisão, ouvia-se o habitual comentário: "O Banco de Portugal não comenta assuntos relacionados com a supervisão."
Nos últimos meses, os acontecimentos precipitaram-se: Oliveira e Costa, que em tempos foi quadro da supervisão do Banco de Portugal, começou a ser contestado internamente e foi forçado a sair; começaram a surgir públicas denúncias internas de irregularidades e foram feitas queixas às autoridades judiciais; Abdul Vakil assumiu a liderança num período de transição até aparecer Miguel Cadilhe, com a ingrata tarefa de tentar salvar o grupo. Ontem soube-se que era tarde demais e que as práticas eram mais graves do que se pensava.

Chegados ao ponto ontem descrito, a nacionalização compulsiva do banco é, provavelmente, a solução que melhor protege os depositantes e o sistema financeiro numa conjuntura particularmente adversa. Se é a menos onerosa para os contribuintes e a que penaliza devidamente os accionistas é o que saberemos daqui a algum tempo.
Mas como se deixou chegar a este ponto uma instituição que está há anos sob suspeita? Além da imputação de todas as responsabilidades, civis ou criminais, aos responsáveis directos, esta é a pergunta que tem que ser feita.
O governador do Banco de Portugal tentou ontem justificar a actuação da instituição que dirige, mas dela sobraram ainda mais dúvidas. Depois de em 2002 e 2003 ter detectado irregularidades e falhas na informação prestada pelo BPN, o banco central passou, estranhamente, a confiar nos relatórios que a própria instituição lhe fazia chegar. E durante os cinco anos seguintes nada fez o Banco de Portugal acordar da sonolência, até que as denúncias internas tornaram o caso demasiado grave para até o supervisor perceber que tinha que ver o que se passava.
Foi assim no BCP. Repete-se agora no caso, muito mais grave, no BPN. Provavelmente, a próxima auditoria do sistema financeiro devia ser feita ao funcionamento e à cultura de supervisão do Banco de Portugal

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