24/09/2005

As “facadas� entre mulheres

Um destes dias recebi um e-mail de uma jovem empresária de Hong Kong. “Confesso que é mais fácil trabalhar sob a alçada de um homem do que de uma mulher. A maioria das minhas amigas subscreve esta opinião. Que pensa sobre isto? Regra geral, é difícil lidar com gestoras: são sensíveis e emotivas e, além disso, dão demasiada importância aos detalhes. Peço-lhe, pois, que me dê alguns conselhos sobre como lidar com gestoras�.Muito sinceramente, considero este cri de coeur assaz humilhante. Julgava que o cliché “mulher-que-manda-é-insuportável� estava perfeitamente ultrapassado. Convenci-me de que o novo cliché aplicado às mulheres em cargos de chefia já não está preso à lógica hierárquica, antes coloca a tónica no estímulo e na inteligência emocional, transformando-as nos líderes ideais das empresas do futuro.A experiência diz-me - muito embora nunca tenha detectado o factor “estímulo� nas gestoras com quem trabalhei - que as mulheres em cargos de gestão de topo têm em comum, e a seu favor, três aspectos concretos. A saber, são mais eficientes do que os homens, empenham-se mais e não perdem tempo a guerrear-se nas reuniões.Resumindo, não tenho qualquer conselho a dar à minha leitora de Hong Kong, na medida em que esta matéria não constitui, para mim, um problema. Mas por coincidência, ou não, recebi na passada semana uma obra intitulada I Can’t Believe She Did That! Why Women Betray Other Women at Work, da lavra de Nan Mooney, que está prenhe de exemplos tenebrosos sobre o que as mulheres podem fazer umas às outras. A leitura acaba mesmo por ser sinistra, pois tudo tem o seu quê de verdadeiro.Segundo a autora, o principal handicap das mulheres é viverem divididas entre a vontade de se apoiar mutuamente e o aceso desejo de competir umas com as outras. Ora, estes sentimentos entram claramente em choque. Mais, o facto de as mulheres não tolerarem conflitos faz com que não enfrentem os problemas com frontalidade, refugiando-se em atitudes insidiosas e desleais. Mooney realça, aliás, algumas das “nebulosas� femininas: - Síndroma da “mulher-centro-das-atenções�. Se for a única mulher no departamento, logo, o centro das atenções, é possível que incorra nalguma amargura caso outra mulher entre em cena.- Rivalidade sexual. As mulheres detestam ter colegas mais elegantes, esbeltas ou sensuais a pavonear-se pelo escritório.- Equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal. As mulheres em cargos de chefia podem mostrar-se intratáveis quando uma colega sai mais cedo para participar numa qualquer actividade da respectiva prole. Ou não têm filhos ou, tendo, sacrificaram-nos em prol do trabalho, pelo que não compreendem por que razão as outras mulheres devem ter a vida facilitada.- A intimidade que as mulheres criam, prontamente, entre si pode revelar-se uma fonte de conflitos. Esta intimidade floresce quando em pé de igualdade, podendo azedar no caso de favorecimento ou promoção de uma das partes.Mooney fez muito bem em escrever um livro sobre um assunto que nada tem de politicamente correcto. E procura, inclusive, minimizar o seu impacto, adoçando a mensagem num tom optimista: as mulheres, afirma, sempre se mostraram interessadas em resolver os problemas e em aprender com os mesmos.Pois bem, custa-me a acreditar. As raparigas, em pequenas, podem ser hediondas umas para as outras, por artes da insídia e da manipulação. E quando crescem, continuam a ser horrendas para as colegas de trabalho. Em suma, só podemos contar com uma imensa dose de malvadez tout court.A leitura do livro obrigou-me, contudo, a uma reanálise dos meus sentimentos e a conclusão a que cheguei foi, no mínimo, arrepiante. Verifiquei que o meu furor competitivo visa, antes de mais, as outras mulheres e não os homens. Felizmente que, por ora, não tenho concorrentes no FT - ou seja, não corro o risco de alvejar ninguém com a minha perfídia. Mas estou certa de que ficaria extremamente melindrada se o jornal convidasse outra mulher para escrever sobre o mesmo tema. É muito possível que cultivasse a sua amizade, caso se revelasse uma pessoa divertida e jovial, mas nunca deixaria de devorar a sua prosa na secreta esperança de a descobrir inútil.Neste rasgo de franqueza e negatividade, ocorrem-me outros cenários possíveis para fazer negra a vida de uma mulher com quem ou para quem se trabalha. O elevado nível de inteligência emocional das mulheres pode, aliás, tornar-se um entrave no local de trabalho. Há, inclusive, quem seja exemplar na leitura dos outros, detectando habilmente os seus pontos fracos e chegando, em última instância, a jogar ao ataque. Lembro-me, a propósito, de uma antiga colega, cuja avidez competitiva a levava a enaltecer os seus filhos em detrimento dos meus, gabando-lhes a inteligência e a sagacidade.O empenho e a exigência são outros aspectos a ter em conta. As mulheres com elevado grau de exigência pessoal são igualmente exigentes com os outros - em especial se os “outros� forem mulheres. A família é disso exemplo, basta lembrar que a maioria das mães é mais austera com as filhas. Acresce que grande parte das mulheres é particularmente sensível, pelo que o pior que podem apanhar pela frente é um chefe indeciso ou inseguro.Assim, para minha angústia, vejo-me obrigada a concordar com a leitora de Hong Kong. Posso, todavia, enunciar três aspectos que atenuam a minha triste conclusão. Primeiro, a dimensão da amostra. Ainda há umas quantas mulheres gestoras que fazem das generalizações estatísticas fontes altamente duvidosas. Segundo, embora acredite piamente em todos os tópicos negativos que escrevi, também respeito os aspectos positivos mencionados no início desta crónica.Por último, se me abstiver de quaisquer estereótipos e reflectir sobre como me relaciono com os colegas de trabalho, facilmente concluo que gosto de trabalhar com pessoas de ambos os sexos, sendo que mais com uns do que com outros.

Lucy Kellaway

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