24/09/2005

Autoridade do Estado

A recente contestação dos militares veio colocar uma vez mais a autoridade do Estado em causa. Não é a primeira vez – infelizmente – que assistimos a degradação e afectação da autoridade do Estado; assistimos quase semanalmente quando vemos órgãos do Estado vergados aos grupos de pressão, quando vemos forças policiais impedidas de entrar em determinados bairros do país ou quando vemos entidades estruturantes do Estado de Direito a desrespeitar (grosseiramente) as leis nacionais.Mas afinal, no meio de tanto ruído e pouco esclarecimento, o que se passa nesta questão dos militares?A questão é simples: quer a Constituição, quer a Lei de Defesa Nacional – existindo outros diplomas também relevantes –embora prevejam o direito de expressão, reunião e manifestação, impõem restrições, uma vez que exigem que os militares: a) sejam apartidários; b) não tenham intervenção política, partidária ou sindical; c) observem uma conduta conforme a ética militar e respeitem a coesão e a disciplina das Forças Armadas. Dito de uma forma mais clara: os militares, desde que estejam desarmados e trajem civilmente sem ostentação de qualquer símbolo nacional ou das forças armadas, têm o direito de participar em qualquer manifestação legalmente convocada que não tenha natureza político-partidária ou sindical, desde que não sejam postas em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas.E isto por uma razão simples: as forças armadas são o garante da soberania e da unidade do Estado, regidas por princípios da hierarquia e de disciplina, uma vez que estamos perante uma relação de carácter essencialmente autoritária e unilateral. Por este motivo a prestação de serviço militar interfere na esfera da liberdade pessoal dos cidadãos que, neste sector, exercem a sua actividade profissional.Como é fácil de ver, as manifestações dos militares possuem clara natureza sindical, i.e., foram marcadas para defesa e promoção dos seus interesses socio-profissionais, sendo, consequentemente, ilegais.Pode então dizer-se que o Governo agiu juridicamente sem mácula e com coragem política. Perguntará o leitor: então não se discute se as reivindicações –oposição às alterações, aliás já promulgadas pelo Presidente da República, da idade da reforma, contagem do tempo de serviço e assistência médica – são justas ou não? A resposta é e será sempre a mesma, independentemente de terem ou não razão quanto aos pontos que reclamam. As fontes aplicáveis são claras e num Estado de Direito as leis são para cumprir.Os militares terão que optar por outras formas de reivindicação – para fazer valer os seus pontos de vista, pois também não podem viver amordaçados ou abdicar do contraditório, elemento indispensável para o progresso –, uma vez que os meios escolhidos se encontram à margem da lei.Só que este caso é apenas uma pequena aparência do problema; o problema está na efectiva e ampla degradação da autoridade do Estado. Um Estado que prefere patologicamente negociar em vez de impor é um Estado que não se dá ao respeito e quem não se dá ao respeito nunca é respeitado. Sou um acérrimo defensor do debate, do acordo, em suma do método da concertação, que tantas e tantas vezes leva a melhores e mais equilibradas soluções que com a adesão de todos se tornam mais eficazes, mas há valores e princípios que não se negoceiam. Não podemos confundir autoridade com autoritarismo.Quando aceitamos negociar valores e princípios estruturantes do Estado, afectamos as bases desse mesmo Estado. E esses valores não podem ir mudando conforme sejamos Governo ou oposição; têm de fazer parte do núcleo constante do exercício do poder e da acção política.Esse é o problema: o PS - talvez mais rigorosamente algum PS - quando estava na oposição, muitas vezes preferiu a demagogia e o populismo de massas, esquecendo que os ciclos do poder podem fazer com que a bomba lhes rebente nas mãos.Exactamente por isso é de uma total irresponsabilidade os comentários daqueles pequenos partidos de esquerda em prole da manifestação, não percebendo o que está em causa. Em matérias como esta, em que está em causa a autoridade do Estado, não pode haver querelas partidárias. É Portugal que está em jogo.É em nome dessa autoridade que espero sinceramente que as sanções legalmente previstas para os militares incumpridores sejam efectivamente aplicadas, pois perdoar ou transigir agora é o maior sinal de fraqueza que o Estado poderia dar.E isso seria um erro que nos deixaria reféns do futuro.

Luís Gonçalves da Silva

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