15/09/2005

Portugal, que presente?

já quase um lugar comum as pessoas queixarem-se do estado em que nos colocaram e de serem cada vez menos e mais ténues as hipóteses de melhorarmos. Convirá, contudo, saber, de que é que se fala quando nos queixamos, e o que não queremos como solução.Com os centros de poder praticamente inexistentes, tanto económicos como políticos, e com o que nos resta de política doméstica disseminada por capelinhas, passou a não ser possível dar às pessoas sequer a tal noção de Estado. Deixou mesmo de ser de Estado que os políticos falam quando se queixam da falta do seu sentido. Mas o Estado é o que é, não o que interesses se esforçam que ele seja.Como diz Oliveira Martins, os portugueses, em consequência da sua descendência comum, têm uma única afinidade etnogénica que se foi sedimentando ao longo dos nossos quase 900 anos de vida. Qualquer que tenha sido a sua origem latinos, celtas, lusitanos, moçárabes. Esta nossa característica, sendo comum à totalidade da população, faz com que sejamos um corpo social homogéneo, independentemente das nossas origens. E este corpo social é comum ao seu espaço. Curiosamente este fenómeno é semelhante ao do País Basco, da Galiza e de Aragão, em Espanha; da Irlanda e Escócia, na Inglaterra; da Provença e da Bretanha, em França; e da Finlândia e das províncias bálticas, na Rússia. Estas individualidades étnicas apareçam no seio de nações politicamente unificadas há séculos, mas nelas permanecem com as suas identidade, religião e alma nacionais.Acontece existir um estranho mal a consumir-nos, ultimamente, bem espelhado na nossa imprensa diária. Deveremos ser o único país civilizado onde, com frequência, há quem faça a apologia do fim. Que defenda que será menor, e antimoderno, todo aquele que ousar achar que o fim não é inevitável e que considere vital continuar. Existe quem se esforce por acabar com uma coisa que, por definição, não tem fim.Os irlandeses dizem mal de Inglaterra, mas é por se acharem com direito a recuperar a tal independência. Os catalães dizem o que dizem de Espanha, mas por acharem que a Catalunha, e as Baleares, terão pouco ou nada a ver com o domínio castelhano. A Alemanha, num movimento natural de unificar o seu espaço tradicional, gastou o que tinha, o que não tinha e o que nos vem buscar aos bolsos com este seu projecto.Há dias, alguém achava que estariam esgotadas as nossas hipóteses como País soberano. E isto não só é dito com aquela certeza granítica dos limitados, como é logo passado um labéu de irrecuperáveis alienados aos que não vislumbrem nesta "evidência" a solução única para que se continue. Só que não dizem como, nem à custa de quê.Está na moda dizer mal de Portugal e achar que tudo e todos são melhores do que nós. Ora, o que me parece é que isso só pode ser a opinião de quem não deveria ter opinião, por muito incorrecto que isto possa parecer. Pode, e deve-se, achar o que muito bem se entenda para melhorar a condição da comunidade, incluindo dizendo mal e exagerando nas maleitas. Mas daí a achar que, para esses males, a solução é dar por terminada a função de Portugal e ousar admitir que a sua existência se coloca em termos de ter ou não viabilidade, vai a distância que separa o arrojo da traição, da estupidez, da incompetência.Soube-se há dias que a Associação de Livreiros se queixou do Estado achar irrelevante o risco de ir parar às mãos de multinacionais o mercado dos livros escolares por se prever que a fiscalização deixe de existir com a nova legislação. Este actual Estado baseou-se ainda num estudo espanhol para saber o que se passaria com as águas em Portugal, de que resultou o acordo de Albufeira, responsável por grande parte da seca que nos assola. Mas, irrelevantes, são os decisores. Não o País.No caso da TVI, pelo mesmo lado, que representa metade (50%) das nossas licenças de televisão privadas e o maior share de audiência nacional, passar para mãos espanholas é uma fraqueza inconcebível e imperdoável do Estado. Apesar de se tratarem de empresas cotadas na bolsa. Coisa que para os actuais decisores é totalmente indiferente, como foi indiferente com a Portugal Telecom, que se encontra igualmente cotada, não só na Euronext como em Nova Iorque, e teve que esperar seis meses para que uma miríade de autoridades acabasse por aprovar, afinal, por unanimidade e incondicionalmente, a alienação de alguns media. Exactamente no mesmo dia em que, em tempo recorde, era dada uma opção de licença de TV ao grupo Prisa, cujas ligações aos socialistas são conhecidas. Pelo que nada impede de presumir que um golpe mediático se repita em Portugal. Nessa altura não faltarão empresários em bicha indiana a correr para Belém clamando por aquilo a que chamam nacionalismo.O sentido de Estado de que muitos se queixam que não existe, começa logo pelo sentido que não faz aquilo que os donos do Estado julgam ser o seu sentido. Ou seja, o sentido que o actual poder dá às coisas do Estado, é confundir o serviço com a posse. Não fazer diferença entre o respeito pelos limites da legitimidade e a dignidade indispensável para o Estado ser Estado, é provocar que a regra seja, não haver regras. E se o Estado soçobrasse, seria por esta razão, não por outra.

Éjoão de mendia

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