Num domingo de manhã, em São Paulo, vagabundeei pela excelente Feira de Antiguidades que nesse dia da semana se realiza na Avenida Paulista, junto ao MASP. Detive-me um tempão numa das bancas, à espera que a vendedora me atendesse. Impaciente, afastei-me. Ela, notando a desistência, dirigiu-se-me então, naquele jeito coloquial tão brasileiro que desarma qualquer um «Então vai sumir?». «Mais um pouco e sumia com duas peças no bolso». Resposta pronta da senhora: «Não diga que é polÃtico, polÃtico é que rouba».No Brasil, a ideia do povo é associar polÃtico a ladrão, numa generalização abusiva, decerto, mas não isenta de saber popular. E, neste tempo de escândalo em torno de algumas práticas do PT e do governo do PT, não dá para explicar ao comum do cidadão brasileiro que nem todo o polÃtico é desonesto. O brasileiro comum esperava tudo do governo actual e do partido que é sua espinha dorsal que fosse uma espécie de santo milagreiro, Robin dos Bosques ou mesmo pudesse governar mal e não respeitar assim tanto promessas eleitorais. Mas nunca escândalo de corrupção ou de uso ilegal de fundos públicos.O eleitorado maioritário do PT e de Lula (as classes média, média baixa e pobre) votou a pensar na mudança. Não apenas em termos de satisfação das suas necessidades básicas, mas também na mudança de práticas e de ética governativas. «Eles podiam fazer tudo, menos isto», dizia-me um empregado de café. E, depois, réstia de esperança a alimentar o sonho de ontem «O Lula não sabe, não podia saber disto tudo».Notei, em quase todos os brasileiros com quem fui falando, um misto de raiva, tristeza, decepção e dor. E, no entanto...E, no entanto, algo de positivo me pareceu evidente nesta crise brasileira a pujança do paÃs e os indÃcios de estabilidade da democracia. As comissões parlamentares de inquérito e a justiça funcionam, a imprensa vigia e noticia, a economia funciona. Apesar de todos os problemas polÃticos, o ruÃdo da polÃtica não interferiu na normalidade da vida económica. Uma herança do bom trabalho do governo do Presidente anterior, Fernando Henrique Cardoso - que tão criticado e torpedeado fora pelo Partido dos Trabalhadores - e do realismo do Presidente Lula e dos seus colaboradores, ao não perturbarem com medidas insensatas e ideológicas o bom rumo da situação financeira e do investimento. Mesmo quando uma parte da oposição levantou a questão do possÃvel «impeachment» do Presidente, os agentes económicos logo a forçaram a esquecer a hipótese, em nome da normalidade. A demonstração da capacidade das instituições em abordar e resolver a crise é factor interno e externo da maturidade da democracia brasileira, logo projecta para o futuro a solidez do Brasil, enquanto potência económica e polÃtica emergente - algo que os empresários e mesmo uma parte da oposição rapidamente entenderam.Por outro lado, eles perceberam também que mais útil é, à s forças que se situam no campo oposto ao do actual poder, chegar à s próximas eleições com um PT e um Presidente fragilizados, mas não humilhados. A menos que algo de muito grave se prove, em relação ao Presidente - e não é este o caso, por agora - Lula é um sÃmbolo do Brasil pobre (o Brasil maioritário), o primeiro operário chegado ao poder, e derrubar esse sÃmbolo poderia ter consequências verdadeiramente funestas para o paÃs e a estabilidade social. E há ainda mais tendo-se provado alguma coisa e havendo indÃcios de muita outra, nada está definitivamente apurado. Como sempre, nestes casos mediatizados, tende-se a ver condenados onde há suspeitos, com os media a realizarem o papel, positivo, de denunciadores de erros, e, negativo, de criação de réus onde apenas há presumÃveis culpados. Mas, e a crise tornou isso claro, a imprensa brasileira funciona com pujança, qualidade e total liberdade. Afinal, todo o Brasil terá aprendido algo com esta crise. Apesar do desencanto e das ideias feitas sobre os polÃticos, o povo brasileiro amadureceu, em relação à s polÃticas e aos polÃticos. E estes terão entendido que a democracia amadureceu também e tornou os cidadãos e as instituições mais vigilantes. O balanço final da crise só pode ser positivo.
por Njosé manuel barroso
15/09/2005
O Brasil pós-crise será mais forte
Colocado por Anónimo na quinta-feira, setembro 15, 2005
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