15/09/2005

O Brasil pós-crise será mais forte

Num domingo de manhã, em São Paulo, vagabundeei pela excelente Feira de Antiguidades que nesse dia da semana se realiza na Avenida Paulista, junto ao MASP. Detive-me um tempão numa das bancas, à espera que a vendedora me atendesse. Impaciente, afastei-me. Ela, notando a desistência, dirigiu-se-me então, naquele jeito coloquial tão brasileiro que desarma qualquer um «Então vai sumir?». «Mais um pouco e sumia com duas peças no bolso». Resposta pronta da senhora: «Não diga que é político, político é que rouba».No Brasil, a ideia do povo é associar político a ladrão, numa generalização abusiva, decerto, mas não isenta de saber popular. E, neste tempo de escândalo em torno de algumas práticas do PT e do governo do PT, não dá para explicar ao comum do cidadão brasileiro que nem todo o político é desonesto. O brasileiro comum esperava tudo do governo actual e do partido que é sua espinha dorsal que fosse uma espécie de santo milagreiro, Robin dos Bosques ou mesmo pudesse governar mal e não respeitar assim tanto promessas eleitorais. Mas nunca escândalo de corrupção ou de uso ilegal de fundos públicos.O eleitorado maioritário do PT e de Lula (as classes média, média baixa e pobre) votou a pensar na mudança. Não apenas em termos de satisfação das suas necessidades básicas, mas também na mudança de práticas e de ética governativas. «Eles podiam fazer tudo, menos isto», dizia-me um empregado de café. E, depois, réstia de esperança a alimentar o sonho de ontem «O Lula não sabe, não podia saber disto tudo».Notei, em quase todos os brasileiros com quem fui falando, um misto de raiva, tristeza, decepção e dor. E, no entanto...E, no entanto, algo de positivo me pareceu evidente nesta crise brasileira a pujança do país e os indícios de estabilidade da democracia. As comissões parlamentares de inquérito e a justiça funcionam, a imprensa vigia e noticia, a economia funciona. Apesar de todos os problemas políticos, o ruído da política não interferiu na normalidade da vida económica. Uma herança do bom trabalho do governo do Presidente anterior, Fernando Henrique Cardoso - que tão criticado e torpedeado fora pelo Partido dos Trabalhadores - e do realismo do Presidente Lula e dos seus colaboradores, ao não perturbarem com medidas insensatas e ideológicas o bom rumo da situação financeira e do investimento. Mesmo quando uma parte da oposição levantou a questão do possível «impeachment» do Presidente, os agentes económicos logo a forçaram a esquecer a hipótese, em nome da normalidade. A demonstração da capacidade das instituições em abordar e resolver a crise é factor interno e externo da maturidade da democracia brasileira, logo projecta para o futuro a solidez do Brasil, enquanto potência económica e política emergente - algo que os empresários e mesmo uma parte da oposição rapidamente entenderam.Por outro lado, eles perceberam também que mais útil é, às forças que se situam no campo oposto ao do actual poder, chegar às próximas eleições com um PT e um Presidente fragilizados, mas não humilhados. A menos que algo de muito grave se prove, em relação ao Presidente - e não é este o caso, por agora - Lula é um símbolo do Brasil pobre (o Brasil maioritário), o primeiro operário chegado ao poder, e derrubar esse símbolo poderia ter consequências verdadeiramente funestas para o país e a estabilidade social. E há ainda mais tendo-se provado alguma coisa e havendo indícios de muita outra, nada está definitivamente apurado. Como sempre, nestes casos mediatizados, tende-se a ver condenados onde há suspeitos, com os media a realizarem o papel, positivo, de denunciadores de erros, e, negativo, de criação de réus onde apenas há presumíveis culpados. Mas, e a crise tornou isso claro, a imprensa brasileira funciona com pujança, qualidade e total liberdade. Afinal, todo o Brasil terá aprendido algo com esta crise. Apesar do desencanto e das ideias feitas sobre os políticos, o povo brasileiro amadureceu, em relação às políticas e aos políticos. E estes terão entendido que a democracia amadureceu também e tornou os cidadãos e as instituições mais vigilantes. O balanço final da crise só pode ser positivo.

por Njosé manuel barroso

Sem comentários: